O conceito de realidade virtual encanta desde os anos 80, quando o romance Neuromancer, de William Gibson e o holodeck da série Jornada nas Estrelas: A Próxima Geração popularizaram a ideia de transportar pessoas a um ambiente tridimensional computadorizado. Mas, até recentemente, isso tudo não passava de ficção científica.
Contudo, depois de testar uma série de protótipos e kits de desenvolvimento na Conferência de Desenvolvedores de Jogos, realizada na cidade em março, posso garantir que a realidade virtual funciona. A falta de tecnologia não é mais um problema. A grande questão que precisa ser respondida é o que os desenvolvedores de jogos, artistas e cineastas devem fazer com ela.
As versões voltadas para o consumidor final ainda não devem chegar ao mercado este ano. Mas por US$ 350, os desenvolvedores de jogos já podem encomendar a versão mais recente do Oculus Rift, um aparelho que está sendo desenvolvido para computadores pessoais e conta com o apoio de alguns dos maiores nomes da indústria do videogame. Os kits de desenvolvimento devem começar a ser despachados em julho.
- Não se trata apenas de um acessório para desenvolvedores de jogos. Esse é um novo meio de contar histórias, afirmou Danfung Dennis, fotojornalista que dirigiu o documentário Hell and Back Again sobre a guerra do Afeganistão, indicado ao Oscar, e que visitou a conferência para mostrar um novo documentário feito para ser assistido com o Rift.
- Ainda assim, descobrir a linguagem virtual correta para os jogos, filmes e outras obras de ficção na realidade virtual provavelmente vai ser mais difícil do que o desenvolvimento da própria tecnologia, afirmou Dennis. Os cortes, por exemplo, são extremamente desorientadores.
O Rift é basicamente uma tela de TV colocada em frente aos olhos do usuário, que usa um óculos de esqui pintado de preto. Ao invés de manipular a câmera no mundo virtual com um controle remoto, como você faria com um videogame normal, você observa o ambiente ao virar o pescoço e a cabeça, assim como faria na vida real. Usar o Rift faz você parecer ridículo para quem vê de fora, mas também dá a sensação de ter sido teletransportado para um universo alternativo.
O Oculus VR vendeu 60 mil unidades de seu primeiro kit de desenvolvimento, que começou a ser enviado durante a Conferência de Desenvolvedores de Jogos do ano passado, onde as pessoas esperavam horas na fila para testá-lo. Esse ano, depois de introduzir um protótipo com muitas melhorias, o Oculus passou a enfrentar sua primeira concorrência, especialmente através do Projeto Morpheus, desenvolvido pela Sony para o PlayStation 4.
O aparelho da Sony ainda não chegou às lojas, embora a empresa o esteja fornecendo a outros desenvolvedores. Na conferência, tive a oportunidade de usar o Morpheus para entrar no mar infestado de tubarões em um gaiola; participar de uma batalha no espaço sideral; usar espadas contra um boneco medieval; explorar um pátio feito de pedra; e caminhar na superfície de Marte, conforme os dados recolhidos pela sonda Curiosity, da NASA. Quando me inclinei para a frente na gaiola virtual para observar as profundezas do oceano, tentei naturalmente e de forma inconsciente agarrar a barra de ferro à minha frente - mas só peguei o ar.
A maioria dos designers de jogos está em êxtase com tantas possibilidades. - Quero muito fazer um jogo em realidade virtual, afirmou Patrick Plourde, diretor criativo do estúdio gigantesco da Ubisoft em Montreal, onde trabalham 2 mil desenvolvedores. Ele afirmou que seria muito empolgante fazer o primeiro jogo para a realidade virtual.
Mas Lionel Raynaud, vice-presidente de criação da Ubisoft Montreal, destacou que o estúdio ainda não planejava desenvolver esse jogo. Milhões de unidades da nova tecnologia precisariam ser vendidas antes que o negócio fosse viável para grandes desenvolvedores de jogos. - Um ou dois fracassos já são o bastante para levar a empresa à falência. É preciso haver um mercado antes, afirmou Raynaud.
Os entusiastas não estão preocupados com as vendas. - Acho que existe potencial para bilhões de usuários, afirmou Tim Sweeney, fundador da Epic Games, que criou dois demos para o Oculus Rift que podiam ser jogados na conferência. Sweeney enfatizou que as tecnologias de realidade virtual atuais estavam para o aparelho dos seus sonhos, assim como os primeiros aparelhos móveis - lembrem-se do Palm Pilot e do Treos - estão para o iPhone 5s. - Estamos na versão 1 de uma tecnologia que vai mudar completamente o mundo ao chegar à versão 5, afirmou.
A Microsoft, que ainda irá revelar sua versão da tecnologia para o Xbox ou para computadores com Windows, parece convencida de que a realidade virtual chegará em breve. - Precisamos saber se ela vai dominar o mercado, ou se será uma solução para certos cenários, afirmou Phil Spencer, vice-presidente corporativo da Microsoft Game Studios.
E esse é o verdadeiro mistério: quais jogos e experiências serão as mais atraentes na realidade virtual?
Uma das primeiras coisas que as pessoas descobrem é que os jogos acelerados podem deixá-las enjoadas. A Oculus Rift publicou um guia com 42 páginas para os desenvolvedores, com recomendações de como evitar que a vista seja prejudicada e como prevenir a desorientação e a náusea. Ao longo do último ano, a equipe do Rift passou da demonstração de jogos de tiro em primeira pessoa que envolviam corridas e saltos no mundo virtual, para jogos em que é necessário sentar - em sofás ou cockpits - enquanto o jogador observa o mundo ao redor.
Alguns dos produtos mais parecidos com esses óculos são os controles de movimento para videogames, que pareciam mágica quando foram vistos pela primeira vez com o Nintendo Wii, ou o Kinect, da Microsoft. Porém, anos mais tarde os jogos controlados por videogames continuam a ser experiências rasas que imitam atividades do mundo real, como dançar ou jogar boliche, e são mais divertidos quando não são jogados por muito tempo. A realidade virtual também ajuda a transportar o usuário durante demonstrações curtas, mas, na Conferência de Desenvolvedores de Jogos, nada do que foi mostrado para o Rift ou o Morpheus valia a pena ser jogado por mais de uma hora.
Ainda assim, eu saí da conferência acreditando na realidade - ou na falta de realidade - virtual.
Alguns dos jogos mais intrigantes que joguei eram abstratos ou parecidos com desenhos animados. O Darknet, um jogo feito por um designer independente de San Diego, coloca o jogador na pele de um hacker cyberpunk cercado de globos e nós multicoloridos. O jogo Please Don't, Spacedog!, desenvolvido por um coletivo de Montreal chamado Ko-Op Mode, é uma jornada desajeitada em um caminhão espacial pilotado por um cão, que explora intencionalmente as sensação de deslocamento corporal criada pelo Rift.
Além disso, o IDNA, desenvolvido pelo estúdio suíço Apelab, é um desenho animado interativo no qual o jogador controla a câmera ao olhar ao redor com o Rift, ao invés de incorporar um avatar, ou um personagem virtual. Queremos colocar as pessoas dentro do nosso filme. Você é um espectador, não um ator, afirmou Emilie Tappolet, diretor artístico da Apelab.
Até mesmo os jogos mais realistas fizeram experimentos com formas de jogar que seriam menos atraentes em uma tela mais convencional. Em World of Diving, tirei fotos de peixes-palhaço e de tartarugas marinhas, e explorei os destroços de um navio afundado. Foi uma experiência cativante, mas o estúdio holandês por trás do projeto talvez precise repensar seu nome: Vertigo Games.
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Desenvolvedores de jogos criam protótipos de realidade virtual
Falta de tecnologia não é mais um problema, a grande questão é o que fazer com ela
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