
O cortisol, conhecido popularmente como o "hormônio do estresse", é tratado frequentemente como um vilão para a saúde, especialmente a das mulheres. Nas redes sociais circulam conteúdos debatendo o tema e dando dicas de como regular os níveis da substância. No entanto, o cortisol não deve ser encarado como um inimigo.
Conforme a endocrinologista Carolina Garcia Soares Leães Rech, chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre e presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Rio Grande do Sul (SBEM-RS), o hormônio desempenha funções essenciais no corpo humano, como a regulação do metabolismo, da imunidade e da pressão arterial, além da resposta ao estresse.
O problema surge quando o cortisol é produzido em excesso e de forma contínua pelo organismo, o que costuma ocorrer em quadros de estresse crônico.
— O cortisol não atua sozinho. Ele faz parte de uma orquestra de substâncias envolvidas na resposta ao estresse, incluindo adrenalina, noradrenalina, citocinas inflamatórias e outros hormônios e neurotransmissores. Juntas, essas substâncias preparam o organismo para situações de “luta ou fuga”. O problema ocorre quando essa resposta, que deveria ser pontual, se torna constante — afirma a médica.
O estilo de vida que boa parte da sociedade adota, segundo Carolina, está por trás dos altos índices de estresse. Hábitos como sono de má qualidade e em pouca quantidade, sedentarismo, uso excessivo de telas, sobrecarga de tarefas e a alimentação repleta de produtos industrializados contribuem para a ativação constante do eixo do estresse, que envolve não só o cortisol, mas outros mediadores inflamatórios e hormônios.
E esse combo favorece que a pessoa fique sempre em estado de alerta e pode, sim, afetar a saúde feminina de forma significativa:
— Variações hormonais ao longo do ciclo menstrual, menopausa e múltiplas jornadas de trabalho, com carreira, casa, filhos e autocobrança tornam o organismo feminino mais suscetível aos efeitos negativos do estresse crônico — explica a médica.
Efeitos negativos do cortisol elevado
A produção excessiva de cortisol dentro do quadro de estresse crônico está associada a uma série de problemas de saúde. Entre os efeitos mais comuns, Carolina destaca:
- Alterações menstruais e queda de cabelo
- Ansiedade, insônia e irritabilidade
- Dificuldade para emagrecer e acúmulo de gordura abdominal
- Aumento do risco de diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares
- Fadiga persistente e baixa imunidade
- Maior risco de desenvolver ansiedade, depressão e burnout
Abordagem globalizada
Não são raras as vezes em que as pacientes aparecem pela primeira vez no consultório da endocrinologista com seus resultados de cortisol já prontos. Segundo Carolina, essa prática não é incentivada porque o nível de cortisol não é indicado rotineiramente para investigar estresse.
— Não se indica de rotina uma avaliação específica só do cortisol porque é mais interessante fazer uma avaliação global de quais interferências estão havendo na qualidade de vida e no bem-estar da pessoa e para identificar fatores da rotina que estão mantendo o organismo em estado de alerta constante – explica a médica.
O exame é útil somente em situações muito específicas como na suspeita da síndrome de Cushing, uma doença rara e grave causada pela produção excessiva de cortisol causada pela presença de tumor nas glândulas suprarrenais ou na hipófise. Fora desse contexto, o mais importante é fazer uma avaliação clínica completa, com foco na anamnese e escuta qualificada.
Se o verdadeiro culpado pelos altos níveis de cortisol no organismo é a rotina estressante e os hábitos inadequados, a boa notícia é que é possível equilibrar os níveis do hormônio e minimizar os efeitos do estresse com mudanças no estilo de vida.
Práticas eficazes que podem ser inseridas na rotina:
1. Dormir bem e com regularidade, já que o sono é crucial para o descanso do corpo e a regulação dos hormônios. Vale investir em técnicas de higiene do sono, diminuindo as luzes, o barulho e reduzindo o uso das telas próximo da hora de dormir.
— O corpo guarda um ritmo circadiano e sabe que deve desligar à noite. Mas quando não fazemos higiene do sono e ficamos, por exemplo, deitados na cama e usando o celular, o corpo entende a luz da tela como uma mensagem de que não está na hora de dormir, o que interfere na resposta fisiológica. É isso que faz com que a produção de melatonina não aumente como deveria, prejudicando o sono. Isso também contribui para que o hormônio do estresse em vez de baixar, como deveria ocorrer à noite, continue alto — explica a médica.
2. Praticar exercícios físicos regularmente, pois a atividade física ajuda a reduzir o estresse e melhora a saúde geral.
3. Alimentar-se de forma balanceada, evitando produtos ultraprocessados e dando preferência para alimentos ricos em fibras e nutrientes.
— O combate à obesidade é extremamente importante, porque a obesidade por si só é uma doença que ativa muito o eixo do estresse e libera mediadores inflamatórios. Também é importante evitar tabagismo, abuso de álcool e consumo excessivo de bebidas estimulantes com cafeína e assemelhados — lista a médica.
4. Reduzir o tempo de tela, os estímulos sonoros, visuais e as luzes antes de dormir. Esses hábitos promovem o relaxamento e contribuem para um sono de mais qualidade.
5. Cuidar da saúde mental. Técnicas de psicologia positiva, meditação, yoga e mindfulness podem ajudar nesse processo.
— Não temos como fugir da rotina estressante da modernidade, mas conseguindo distribuir isso entre os bons hábitos de vida e essas técnicas de saúde mental, se pode melhorar o eixo do estresse de forma natural — afirma.
6. Se necessário, buscar apoio psicológico.