— Você acha que é fácil arrumar esse cabelo? — questiona a atriz Suzana Pires, tentando acomodar os fios curtinhos, em corte pixie —. Amor, esquece, isso aqui é pior do que um cabelo grande!
O cabelo baixinho é o que cresceu depois de raspar a cabeça para o filme Câncer com Ascendente em Virgem, em cartaz nos cinemas brasileiros. A carioca de 48 anos é a protagonista do longa inspirado na história real de Clélia Bessa, diagnosticada com câncer de mama em 2008 e que relatou toda a sua jornada com bom humor e franqueza em um blog — que mais tarde se tornaria o livro Estou com Câncer, e Daí? (Editora Cobogó, 2025).
— Cada personagem entra na sua vida para te ensinar uma coisa e nesse filme entendi que a vida é agora. Quando se está com esse diagnóstico, vem pensamentos como "espera aí, não posso deixar de falar que amo essa pessoa", "não posso deixar de fazer tal coisa por mim" — afirma Suzana, que também assina o roteiro do filme em parceria com Martha Mendonça, Pedro Renato, Ana Michelle, Elisa Bessa e Rosane Svartman.
Novo mantra
Os ensinamentos do filme e o mantra “não adiar viver” começaram a ser colocados em prática no ano passado, logo após o término da rodagem.
Foi também o ano em que a brasileira decidiu ficar de vez em Los Angeles, onde trabalha desde 2022 como roteirista, e abrir uma produtora de conteúdo, a Spiritus Entertainment, que tem a missão de facilitar a produção de conteúdos brasileiros no mercado internacional. Também foi a ocasião certa para deixar de lado as dúvidas sobre o rumo que sua vida tinha tomado.
— Comecei a fazer coisas que queria, não adio mais viver. E qualquer "noia" que tivesse sobre se me casei, não me casei, ter ou não ter filho, acabou. Vivo do jeito que quero, que escolhi. A gente não pode ficar adiando vida — ressalta a artista.
A carreira de atriz pode atrair mais os holofotes do que o trabalho por trás das cortinas, mas a carioca tem uma trajetória sólida como autora de novelas (Sol Nascente e Flor do Caribe), séries, filmes, webséries e peças de teatro. Desde 2022, quando foi convidada para trabalhar como roteirista na Avalon Studios, em Los Angeles, tem engatado um trabalho após o outro em diferentes estúdios estadunidenses.
Atualmente, Suzana está fazendo a adaptação do clássico As Panteras para o mercado latino, junto da Sony Entertainment, e escrevendo uma série para o Prime Video. Sobre o sucesso que está fazendo lá fora e o que as profissionais brasileiras têm para colocar na mesa, ela afirma:
— A nossa humanidade latina é o futuro da narrativa. Nossa maneira de olhar o mundo é sulear, o humano e as emoções vêm primeiro. E quem tem mais isso que a mulher brasileira? A gente é um combo de coisas muito poderoso.
Instituto Dona de Si

Ao longo da carreira, Suzana se tornou uma mulher que levanta a si mesma e a outras mulheres. Ela tem planos de levar profissionais brasileiras para as salas de roteiro de Hollywood e está há seis anos no comando do Instituto Dona de Si, que criou para acelerar empreendedoras femininas em quatro capitais brasileiras.
Neste ano, a filial em Porto Alegre está oferecendo 300 vagas para mentorias gratuitas, com 200 horas de aulas online e encontros presenciais. As inscrições podem ser feitas pelo site da entidade.
Eu tive a maior oportunidade da minha carreira aos 45 anos, e estou lá em Los Angeles há três anos. Vamos ver o que vem por aí.
SUZANA PIRES
Atriz e roteirista
A ideia de fortalecer mulheres que almejam ser líderes e ter sucesso na carreira começou a germinar em 2017, quando Suzana assinava a coluna “Dona de Si” — primeiro na Marie Claire e depois na Vogue.
— Naquela época poucos falavam sobre como desenhar uma trajetória própria sendo mulher e sobre como é difícil fazer isso. Para ter uma trajetória própria, você tem que fazer escolhas que, muitas vezes, não são as escolhas que todo mundo acha que você deveria fazer. Isso é difícil para qualquer ser humano, mas é ainda mais para quem foi criada para servir, obedecer, cuidar, sorrir e ser fofa — comenta.
Também surgiu a vontade de compartilhar o que foi difícil e o que foi essencial para conseguir fincar o pé em espaços de maior poder no audiovisual.
— Já estava na Globo há anos, com uma carreira consistente de atriz e autora, lidando com a parte do business, mas continuava sentindo que precisava explicar o que ia fazer para poder ter o "ok" das pessoas. Vi que não era algo pessoal, mas porque era uma jovem mulher tocando o negócio gigante que é uma novela, portanto teria que ter a dúvida: “será que ela está fazendo certo mesmo?" — relata.
Para ela, é essencial olhar para dentro e encarar as vulnerabilidades, focar no desenvolvimento pessoal:
— Isso acontecia com várias mulheres ao meu redor cheias de talento e que não estavam conseguindo monetizar e nem estar à altura do seu próprio talento. O problema não era a gente saber não fazer uma coisa, mas faltava a segurança, o desenvolvimento pessoal, faltava pisar nesse chão profissional com pés muito sólidos.
Confira a entrevista com Suzana Pires
Qual é o desafio da mulher em posições de poder e como isso te motivou a criar o Instituto Dona de Si?
Ser uma mulher com poder é difícil. Não fomos criadas para ter esse poder, então nem sabemos direito como lidar com ele. Identifiquei algo que não estava sendo abordado nos cursos de empreendedorismo: marketing digital e gestão financeira a gente aprende, mas quem é que vai ensinar para a gente o nosso valor?
Quem vai estar nessa rede para nos sentirmos menos esgotadas, oprimidas e sozinhas? Você tem que trabalhar em si mesma, e isso é difícil. Primeiro, é preciso reconhecer suas vulnerabilidades, não apenas a sua força. Só depois é possível aplacar essas dores.
É preciso aceitar a vulnerabilidade?
A gente só se fortalece conhecendo, primeiro, a nossa vulnerabilidade. O engraçado é que o nome “Dona de Si” pode dar a impressão de que a primeira aula será “Vamos lá, mulher, coloque um salto alto!”, quando, na verdade, a pergunta é: “Como está a sua saúde? Você fez exame de sangue?”. Porque, se a gente está com um probleminha hormonal, nada vai funcionar direito.
Se estamos em depressão, há um fator químico envolvido, e nada vai dar certo. Existe também um contexto cultural que nos leva a nos sentir assim. O que o instituto faz de diferente é trazer a mensagem de que você não está louca, não é histérica — você tem talento e pode monetizá-lo.
Você mencionou as dores da solidão, opressão e esgotamento. Já as sentiu na sua carreira?
O tempo inteiro. Uma atriz cujo carro-chefe é a comédia, considerada gostosona para os padrões brasileiros, que apareceu pelada na televisão em Gabriela (minissérie de 2012)... Imagina! Havia várias coisas que me colocavam em um quadradinho onde eu não poderia ser autora de novela, não poderia ser uma mulher formada em Filosofia — como se essas coisas não pudessem coexistir.
Sempre senti isso, e era uma dor grande, porque pensava: “Será que tenho que deixar de ter um corpo para ter inteligência? Tenho que me fantasiar de quê para acharem que tenho valor?”. Não faz sentido, porque é essa energia que me faz ser boa no meu trabalho.
Você fez cursos de roteiro por anos nos EUA antes de se mudar. Foi difícil se colocar no mercado lá?
A Avalon Studios chegou ao meu nome ainda no Brasil e atendi ao que eles queriam. Eu tinha saído da Globo em março, e essa oportunidade chegou em setembro. Nos EUA, fui emendando um trabalho no outro. Também dei 10 passos para trás: voltei para um lugar onde estava há 20 anos e virei colaboradora de novo, o que achei o máximo, pois assim não precisava decidir nada (risos).
Em três anos, já ocupo o mesmo lugar que ocupava no Brasil. Você adquire experiência e, em algum momento, precisa se promover. Não vou ficar lá sozinha; vou levar outras mulheres para as salas de roteiro, porque já entendi o que podemos colocar na mesa.
Como foi a experiência com Câncer Com Ascendente em Virgem?
Foram três anos dedicados ao roteiro, no qual também participou AnaMi (Ana Michelle Soares), uma paciente oncológica que criou a Casa Paliativa, em São Paulo, e que faleceu no meio desse trabalho. Ela trouxe o entendimento de que, quando você recebe um diagnóstico como esse, a morte se senta na sala — e pode ser que ela aconteça.
Receber um diagnóstico de câncer muda completamente a perspectiva sobre a vida no presente. AnaMi trouxe muito essa visão, pois sua maior preocupação era como se está vivendo, e não como se vai morrer — e isso foi fundamental para o filme.
Além disso, meu pai estava enfrentando um câncer na época, então a quimioterapia, o oncologista, a dieta e a família desgovernada com o diagnóstico já faziam parte da minha vida. Trouxe várias dessas experiências para a personagem de Fabiana Karla, que é hilária e emocionante.
A nossa humanidade latina é o futuro da narrativa. Nossa maneira de olhar o mundo é sulear, o humano e as emoções vêm primeiro.
SUZANA PIRES
Atriz e roteirista
Que leitura você faz desse momento para o cinema brasileiro em Hollywood, após o sucesso de Ainda Estou Aqui?
É uma confluência de “maravilhosidades” para a cultura nacional. Tem uma coisa no mundo que ama a nossa cultura e com investimento, a gente domina essa narrativa. O apoio do público é fundamental, pois junto dele vem patrocínio, política pública, buzz na internet.
A Fernanda Torres se tornou a mais clicada no (perfil do) Oscar, gente. Estamos chegando a um momento em que o próprio brasileiro está vendo o valor da nossa arte, do nosso cinema, da nossa narrativa e falando: “Quero a nossa cara no mundo”.
Que serendipidade você estar onde está neste contexto, não é?
Também já pensei nisso. E não é à toa — tem um propósito. Meu manager (empresário/agente) começou a dizer: “Você tem que começar a fazer auditions (testes), porque ser uma atriz brasileira deixou de ser algo exótico.”
Depois da Fernanda Torres, uma atriz brasileira fazendo teste não soa mais como “ela é uma arara?”. Nos aproximamos do público americano por meio de Ainda Estou Aqui e Fernanda foi fundamental para abrir uma porta imensa. Será menos estranho ver atores e artistas brasileiros trabalhando em Hollywood.
Qual é a sua noção de sucesso?
A pior maneira de morrer é ficar enferrujado num canto. O movimento é a essência de estar vivo. Tenho uma imagem na cabeça: quando você coloca a mão na água de uma bacia e a faz girar, ao retirá-la, a água continua se movendo. Isso é sucesso.
Mas esse movimento é seu, é individual e, com ele, você aprende onde colocar a saudade das pessoas e outros sentimentos. Tive a maior oportunidade da minha carreira aos 45 anos e estou em Los Angeles há três anos. Vamos ver o que vem por aí.
Está com algum plano especial para os 50 anos?
Estou achando muito louco e me achando muito gata (risos). Olho para trás e tenho muito orgulho de toda construção, principalmente das minhas parcerias de 20 anos, gente que confiou em mim e em quem confio de volta. Esse é o meu ouro.
A idade está me fazendo me sentir cada vez mais poderosa. Se você me falasse aos 30 que iria fazer tudo isso que fiz de lá para cá, eu ia falar: "Nossa, mas será?" E está feito, e está inspirando e mudando a vida de muita gente. Então o fazer é a receita da minha felicidade.