Sexta-feira, 30 de outubro, 11h15min. Pouco antes de entrar no ar, Cristina Ranzolin precisava fazer contato urgente com seu mastologista para conversar sobre o resultado de uma biópsia. Sua reação foi imediata: chamou o marido, Paulo Roberto Falcão, e os dois ligaram juntos para o médico de dentro do carro no estacionamento da RBS TV. A suspeita se confirmou: aos 54 anos, a jornalista estava com câncer de mama.
– Fui para o programa com tudo aquilo na minha cabeça. O Paulo me questionou se eu poderia fazer o jornal, eu disse que ia fazer. São 33 anos na TV, o estúdio é minha segunda casa – afirma Cristina.
Nos dias que se sucederam, a apresentadora do Jornal do Almoço passou por uma bateria de exames e ficou um pouco afastada das telas. Correu para o colo da família, encarou o câncer de frente e reuniu coragem para falar a temida palavra "tumor". Dia 12 de novembro, participou do JA justamente para abrir o jogo ao vivo sobre sua nova fase – e mostrar que estava ansiosa para almoçar todos os dias com os gaúchos novamente. Menos de uma semana depois, já estava de volta ao ar. A força veio da corrente de amor que se criou Brasil afora após tornar público o seu diagnóstico.
– Tenho apoio da minha família, dos médicos, do RS inteiro. Recebi muitas mensagens, nunca imaginei que ia chegar nesse nível de carinho – conta.
É sobre a importância dessa rede de apoio, as apreensões com a quimioterapia, a decisão de seguir trabalhando e como todo esse processo está sendo transformador que Cristina Ranzolin conversou durante uma hora com a Revista Donna. Leia o bate-papo a seguir:
Após contar sobre o câncer de mama no JA, como você está? O carinho do público lhe deixou ainda mais forte para enfrentar o tratamento?
Estou superbem, fortalecida e aliviada de ter contato isso para as pessoas. Sempre fui transparente, estava me incomodando, parecia que estava escondendo. Desde que contei, me senti melhor. Vão se completar 33 anos que estou na casa das pessoas. Muita gente me tem como alguém da família, já sabia disso porque recebo muitas mensagens diariamente, muito carinho nas ruas. Mas, agora, não imaginei que ia chegar nesse nível de carinho, de receber mensagens de todos os lugares. Realmente estou bem, essa situação me pegou em um momento que minha saúde geral está muito boa, tenho uma alimentação saudável, bons exames, faço exercícios. Estou apta a enfrentar tudo o que vem pela frente.
Por levar uma vida muito saudável, o diagnóstico lhe pegou ainda mais de surpresa?
Todo o fim de ano, vou à ginecologista fazer uma revisão. Neste ano, fui à médica no dia 6 de outubro, marquei os exames depois e estava tudo ok. Fiz a mamografia e não apareceu nada. Mas, na hora da ecografia mamária, a médica comentou que tinha algo diferente. Indicaram uma biópsia imediatamente. Na hora, deu um susto. Tem palavras que assustam, mas já fiquei preparada para um "sim". Fui trabalhar no dia seguinte normal, e a minha médica me ligou indicando um mastologista para eu conversar, às 11h da manhã. Liguei para meu marido, e ele me encontrou no estacionamento da TV. Dentro do carro, ligamos juntos para o médico, que confirmou o positivo. Fui para o programa com tudo aquilo na minha cabeça. A partir desse dia, fui revirada do avesso em exames. Na minha família, não tem casos de câncer de mama, só uma prima do lado do pai. Isso me surpreendeu, achei que a hereditariedade era algo muito forte. E não é. Sinceramente, achei que nunca teria isso, estou completamente fora do grupo de risco. Ao mesmo tempo, pensei também que tenho plenas condições de me tratar. Tenho um tumor agressivo, mas o bom é que é o tipo que mais responde aos tratamentos, por isso é 100% de cura. A tendência é ir diminuindo e, quando acabar a quimioterapia, não deve ter mais.
Os dias de reclusão foram importantes para se conectar ainda mais com a família e se fortalecer?
É um apoio fundamental da minha família, assim como das irmãs que a vida me deu, algumas amigas que não têm laço de sangue, mas são especiais. Estou sendo muito acarinhada. Meu marido (Paulo Roberto Falcão) está sendo um companheiro incrível. A minha filha (Antônia) se apavorou no começo, mas, depois, foi conversar com os médicos para entender tudo. Agora, está fortalecida, me ajudando muito. O momento mais difícil foi contar para a minha mãe (Yara), já enfrentamos problemas com meu pai (Armindo Antônio), que está há muito tempo doente, então me doeu contar para ela. Mas ela é muito forte, é incrível, me acompanha até na quimioterapia. Briga com meu marido para ver quem vai ir junto (risos).
A ficha caiu após o contato com os médicos ou foi mesmo quando contou para a sua mãe?
Acho que vamos deglutindo devagar, é tudo em pílulas. Minha filha disse que sou a mulher mais linda e forte do mundo, ela fez uma postagem dizendo isso no meu aniversário. Quando fiz a biópsia, era só isso que vinha na minha cabeça. Minha filha me vê forte, me conhece e não vou decepcioná-la. Quando saí da biópsia, só tinha vontade de ouvir uma música que meu marido fez para mim quando fiz 40 anos. É linda e se chama Estrela do Meio-dia. Fui ouvindo a música e pensando neles. No dia seguinte, fui na minha mãe, que não sabia de nada. Quando cheguei lá, pensei em ser muito forte, para ser a Cristina firme, mas virei a filha, que também precisa de colo. Virei a filha que chora, que precisa de colinho. Foi, sem dúvida, o momento mais difícil.
Seu caso serve como alerta para a importância dos exames de rotina?
Se, por um lado, fico tranquila com o meu processo, com essas condições favoráveis, fiquei desconfortável por saber que há muita gente que não consegue nem fazer o exame. Tem a lei, mas muitas vezes não é cumprida. A capital gaúcha tem a maior incidência de câncer de mama. Estou estudando tudo sobre isso, quero pedir reuniões com secretários de saúde, quero ir para a linha de frente nesse tema. Se o RS tem mais casos, temos que ter muito mais possibilidade de atendimento. O tratamento é caríssimo, precisamos focar na prevenção. O exame de toque é importante, muitas observam ali que têm algo errado. Agora, os exames de imagem são fundamentais, como no meu caso. Estamos em um ano que estamos falando muito de violência contra a mulher, da psicológica e física. Acho que não prestar um atendimento de saúde adequado é um tipo de violência.
Seu diagnóstico ocorreu em meio à pandemia.
Foi a primeira coisa que perguntei para meu o médico, já que a quimioterapia baixa a imunidade. Ele pediu para manter os mesmos cuidados, mas frisou que eu não era grupo de risco. Eles acreditam que, no meu caso, posso levar uma vida normal no tratamento. Tirei alguns dias para me concentrar em como estou me sentido com a quimio, como meu corpo está respondendo. Ainda mais em época de eleições, né? Pela primeira vez em 33 anos fiquei fora da cobertura eleitoral. Mas foi necessário. Já passei por dois primeiros ciclos de quimio, não tive efeitos colaterais mais fortes, coloquei um cateter para auxiliar na aplicação da medicação e já voltei a trabalhar. Tenho liberdade de, quando não estiver bem, não estar no ar.
Está apreensiva com os efeitos colaterais?
Ouço muitos relatos, tenho conversado com mulheres, incluindo a Alice (Bastos Neves, que também tornou público seu tratamento contra o câncer). Ela me liga toda hora para trocar figurinha comigo, além de outras pessoas próximas que enfrentaram isso. Cada organismo reage de um jeito, cada tratamento é de um tipo. O meu é bem diferente do da Alice, por exemplo. Por isso precisava me ouvir nesses primeiros dias, entender como iria reagir.
Falando na Alice Bastos Neves, a batalha semelhante acabou aproximando ainda mais vocês?
Aí a gente vê como esse problema é grande, né? Nós duas, em um universo pequeno, acometidas por isso. Essa é a realidade, é um alerta importante. Sim, nos aproximou ainda mais. A Alice foi uma das primeiras pessoas a saber no trabalho. Ela já tinha notado que eu não estava bem. Tanto é que entrava no estúdio e dizia: "Cristina, força aí!". Tomamos um café, e eu disse: "Amiga, estamos juntas. Tu termina e eu começo". Ela ficou muda e encheu os olhos de lágrimas. Daí, desde então, conversamos muito. Ela reforçou que me tem como exemplo de profissional, fiquei emocionada. Também fui surpreendida esses dias com uma orquídea linda que a Sandra Annenberg me mandou. Foi uma coisa tão querida, ela foi uma pessoa que começou junto comigo na Globo, ficamos próximas no início.
Como está lidando com a possibilidade de perder o cabelo?
Não sou tão vaidosa como as pessoas pensam. Tenho pouquíssimos cuidados com o cabelo, meu cabelo é bom porque não é nem seco, nem oleoso, é sorte mesmo. Recentemente fiz até um corte que bombou, recebi muitas mensagens perguntando. Daí, em seguida, veio essa situação do câncer. Não digo que é algo com que esteja preocupada, porque meu cabelo cresce muito rápido. E, hoje em dia, tem tanta peruca, né? A Alice careca ficou show. Para mim, talvez não fique tão bem, mas gosto da ideia das perucas. Depois que vi qual seria o tratamento, meu médico disse que podia tentar uma técnica para manter o cabelo, a crioterapia. É uma touca gelada que colocamos antes e depois do quimioterápico. Diminui as chances de perder o cabelo, mas não é certo.
Parar de trabalhar durante o tratamento foi uma opção?
Seguir no ar é 100% importante para mim. É o que eu gosto, não é só cumprir um horário, por dinheiro, aquilo faz parte da minha vida. É a Cristina jornalista, isso me dá prazer. Se fosse parar, ia ficar muito focada no tratamento, e não vejo essa necessidade. Meu trabalho vai ser fundamental para espairecer, estar com meu público, buscar a notícia. Acho que nunca tirei nem 30 dias consecutivos de férias (risos). O trabalho é parte da minha cura.
Pretende seguir compartilhando as vitórias durante o tratamento nas redes sociais?
Isso é algo que não sei bem. Quando estava fazendo a quimioterapia, até tirei uma foto, mas resolvi não publicar. Talvez publique mais para frente, quem sabe. Quero ir sentindo, quero seguir na minha linha de não virar uma exibicionista. Por outro lado, as pessoas estão interessadas em saber como estou, tenho que retribuir esse carinho. Acho que quero dividir um pouco dentro dos meus limites.
Você é uma mulher de fé?
Sou uma pessoa de muita fé, sou católica, acredito em energias positivas, em diversas forças, e acho que o lado espiritual é fundamental na vida da gente. Tenho a minha Nossa Senhora das Graças, uma medalha que está quase todos os dias no jornal comigo. Se não está no meu pescoço, está na bolsa. Não só ela, tenho Santo Antônio, Nossa Senhora Aparecida, tenho muita fé mesmo. Rezo todos os dias com a minha filha à noite.
Como se vê daqui a seis meses?
Me pego pensando, meditando, acho que será um momento para me conhecer melhor. Dizem que sou uma visita na minha casa porque não paro nunca, tenho um lado materno muito forte, tento não terceirizar nada. Sabe quando a pessoa vai no supermercado e não compra nada para si? Sou eu. Acho que isso tudo está me ensinando a olhar mais para mim, me ouvir mais, me dar mais atenção. Também tenho vontade de me tornar mais ativa no voluntariado, hoje ajudo pontualmente em alguns projetos. Quem sabe não está surgindo uma causa? Precisamos cuidar das nossas mulheres.