
Quase todo mundo que eu conheço está ou indo para o buraco, ou tentando sair dele. Amigos quebrando, tendo que reestruturar suas vidas, seus negócios, alguns, os sortudos, os que têm essa possibilidade, até voltando para a casa dos pais. Sortudos, sim; há quem não tenha para onde ir, há quem não tenha abrigo ou opção. São Paulo é cheia de imigrantes, e muitos dos meus têm voltado para suas cidades com o gosto amargo do fracasso na garganta. A culpa não é de vocês, meus amigos.
Nunca vi tanta gente medicada. Nunca vi tanta gente deprimida. Nunca vi vidas valendo tão pouco, e me incluo aí, posto que sou uma dessas pessoas medicadas com antidepressivos e ansiolíticos. Não é pra ter vergonha.
Depois de um tempo brigando comigo mesma, cedi e comecei a tomar antidepressivo. Demorei para admitir que precisava de medicação novamente depois de cinco anos sem nada. Primeiro aceitei o alprazolam, já que vinha tendo crises de ansiedade e uma que culminou em pânico, que relatei aqui. Já tive altos e baixos, uma depressão severa e muitos diagnósticos equivocados de psiquiatras irresponsáveis. Já passei por toda sorte de adaptação ruim com remédios errados e interações medicamentosas ruins que jamais deveriam ter sido receitadas a mim. Cheguei a ter uma amnésia rara que me fazia esquecer o que tinha feito ANTES de tomar o remédio. Não vou nem contar como descobri essa amnésia. Cheguei a tomar um antipsicótico quando me fizeram acreditar que estava louca – e acabei ficando, mesmo, com nosso conhecido gaslighting, abuso psicológico que distorce a realidade.
Achei tanto que estava louca, ouvi tanto que estava louca que acabei ficando mesmo. Acontece. É comum. É horrível. E hoje, que conste, abuso psicológico é abarcado pela Lei Maria da Penha.
Frente a isso tudo, hesitava diante da possibilidade de antidepressivo e exagerava no bendiazepínico, mesmo sabendo que poderia ser minha ruína. Acordava todas as manhãs já tateando pela gaveta. Vou diminuir a dose, eu pensava. Só meio, eu dizia. Logo me angustiava. Voltava. Aumentava. Exagerava.
Aí coisas ruins aconteceram. Fui forte, ataquei como dizia meu instinto, fiz ventar como é minha natureza. À medida que a poeira baixava, veio chegando essa sombra que foi me fazendo aumentar e aumentar a dose do ansiolítico querendo mascarar algo que já não era só ansiedade. Estresse pós-traumático.
O mundo nos adoece, as pessoas nos adoecem, nos adoecemos nós. Tomei florais, fui ao Ilê (não tanto quando deveria, gostaria e pretendo), tive intermináveis conversas com meu amigo astrólogo bruxão. Eu não queria remédios, queria apenas voltar a me sentir bem. O que eu faço? O que eu faço? Me atormentava, atormentava os outros. Análise não estava dando conta. Não tem a ver com evitar me enquadrar como uma pessoa psico atípica, mas com sentir que tinha regredido, como se todo o controle que tive da minha vida nos últimos anos estivesse escapando das minhas mãos. Finalmente admiti que precisava, e meu psiquiatra me deu uma amostra grátis, coisa que me faz confiar ainda mais nele, já que sei de médicos irresponsáveis que distribuem receitas desnecessárias em troca de “simpósios” pagos por grandes laboratórios em lugares paradisíacos.
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A adaptação foi complicada. Mas foi. Deu. Melhorei. O mundo não melhorou, mas eu já consigo suportar.
Estou dividindo isso para que todos os medicados que me leem se sintam abraçados. Você não é fraco. Vocês não são fracos. Para todos os teimosos angustiados que não veem saída e talvez precisem de ajuda profissional e se recusam a buscar por qualquer motivo que seja: não façam isso consigo mesmos. Não recusem algo que pode salvar a sua vida, sem exagero, e a vida dos que estão à sua volta. É um círculo vicioso: arrastamos as pessoas, nos sentimos culpados, arrastamos mais as pessoas, elas se desesperam sem saber como ajudar, acabam se afastando, você se culpa, arrasta quem sobrou. Eu mesma me afastei de muita gente que amo nos últimos tempos, sumi dos rolês, arrumei desculpas, dormi. Foi isso, amigos. Eu não quis pesar. Meu maior pânico é pesar.
Estou escrevendo isso pra deixar bem registradinho que não, depressão não é coisa de gente fraca. É uma violência apontar o dedo para o deprimido e dizer que ele tem que ser forte. Mal sabe esse dedo o quão forte foi essa pessoa pra levantar da cama nesse dia.
E estou escrevendo isso para que repensem o que constroem sobre as pessoas a partir do que veem nas redes sociais. Viagens, fotos, registros de bons momentos, piadas, memes, nada, nada disso diz nada sobre ninguém. Só quem vive sabe.