“Bota aquela do roquenrou, papai”, diz o Chico rigorosamente todas as vezes que entramos no carro, enquanto ele sobe na cadeirinha no banco de trás e fecha o cinto de segurança sozinho.
“Depois aquela mais calminha do titio que canta baixinho, e aquela mais rápida também.” Fico surpreso por ele ser muito ligado e ter uma memória inabalável. Escuta os primeiros segundos das músicas e já identifica. Essa, inclusive, é uma das nossas brincadeiras preferidas, de “qual é a música?”.
“Agora bota Shallow e depois Hear me Now, papai.” Não é por acaso do destino que ele, aleatoriamente, despertou interesse por essas canções. Na verdade, essa predileção foi condicionada por repetições e exemplo, que indiretamente acabamos transmitindo Renata e eu.
A lista de mais ouvidas de 2020, do Spotify, é sempre a playlist que toca no meu carro, meio que automaticamente, assim que entramos nele. E a ordem é essa: Rush, The XX, 2pac, Lady Gaga e Alok.
Excêntrica a playlist, mas eu posso explicar. Ela retrata vários momentos da minha rotina, porque pinçou algumas de listas temáticas que preparo, como, por exemplo, a lista da corrida, de ir surfar, a do jiu-jitsu, a de ouvir em casa, a das minhas descobertas, e por aí vai.
Só que para o Chico não importa. O que vale é que está oficializado que essas são as favoritas dele. Casualmente, porque são as que ele mais ouve, por consequência.
Um dos maiores prazeres da minha vida é, assim que paro no sinal logo na esquina, olhar pelo retrovisor e vê-lo balançado a cabecinha e tocando bateria imaginária, no ritmo dele, no auge de Spirit of Radio, do Rush.
Aí fico pensando que, no geral, tudo é exemplo e repetição. Quando percebo, as comidas favoritas dele também são as nossas. Os passeios que ele mais gosta, também. A praia que ele mais gosta.
As manias e os rituais todos. Água com gás, ao invés de sem. E o paillard de filé mignon com spaghetti ao molho de gruyère, da Presstisserie. É a número um das nossas playlists gastronômicas!