O universo dos restaurantes, com maior ou menor grau de consciência, parece caminhar em busca de um novo objetivo comum: reduzir o desperdício de comida. Em alguns casos, a missão é mais ambiciosa, pois almeja o aproveitamento total do que entra nas despensas e geladeiras. Não é apenas uma questão de economia. Passa por sustentabilidade, ética, compromisso social. E abrange, claro, acabar com o descarte dos chamados alimentos feios.
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São aqueles legumes fora de um certo padrão do mercado, em formatos diferentes, aspectos estranhos; são aquelas frutas aquém do tamanho, de aparência diversa daquilo que se impôs como o “normal” de um ingrediente. Mas que, do ponto de vista gustativo e nutricional, não têm defeito nenhum. Algo que me parece o triunfo do bom senso: como dispensar uma cenoura só porque ela nasceu com “duas pernas”, ou uma maçã, porque ela tem a casca casualmente manchada? Que ótimo que isso vai deixando de ser um tabu.
Por conta disso, lembrei de um dos aspectos da arte barroca, o do chamado feísmo, em que, fosse na literatura ou nas artes visuais, havia atração por destacar certas características – obviamente não bonitas – nas obras. Eram deformações, descrições negativas, situações caricatas, sempre reforçando aspectos feios da vida, das pessoas, numa época de muita tensão política e religiosa. Juntando temas e ideias, me ocorreu que, na era em que vivemos, das fotos incessantes, das redes sociais, a estética das coisas passa a ser ainda mais fundamental. Isso inclui a comida, ressaltando o visual de ingredientes e pratos, tanto pelo prisma do belo como do seu oposto. Felizmente, temos podido pensar além dos clichês.
Essa vertente de se valorizar aquilo que não é bonito parece ir além e conquistar também os fãs da comida mais bruta, de receitas não necessariamente fotogênicas. Vem por aí uma certa oposição aos pratos vanguardistas, minimalistas, estetizados? Ao que parece, sempre houve esse espaço. Se a internet se mostra infinita na capacidade de armazenar, então, que grosseiros e delicados, toscos e estilosos convivam em paz, seja na mesa real ou no mundo virtual.
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