ANOS ATRÁS, conversando em Paris com o chef Yves Camdeborde, do Le Comptoir, ele comentou sobre como a alta cozinha francesa andava triste, dura, codificada. Camdeborde, expoente da bistronomia, sabe o que diz. Seu ponto: espanhóis, ingleses, nórdicos, estavam conseguindo criar experiências sofisticadas à mesa sem a afetação e a solenidade dos restaurantões requintados da França.
O cenário mudou e, creio eu, vários jovens chefs franceses vêm conseguindo tornar a haute cuisine mais amigável. Mas a tal codificação excessiva não me saiu da cabeça. Porque ela pode ter várias facetas. Não apenas ligada a rituais, formalidades, roupas, etiquetas, gestos, emoções, protocolos, luxos. Mas pode ter a ver com o que deveria ser seu oposto.
Do que eu falo? Daqueles restaurantes, cafeterias, bares, padarias, que, por defenderem ideologias, estilos, identidades, acabam se tornando tão codificados quanto estabelecimentos chiques. Embora devessem ser mais simples. Lugares que, de tão originais, viram herméticos. De tão hipsters, deixam desconfortável a clientela “não-iniciada”. Pede na mesa? Espera ser chamado? Pode opinar sobre o ponto da carne? Pode adoçar o café? Paga quando? Fica feio se perguntar isso ou aquilo, se agir assim ou assado?
Nem entro em temas que já viraram folclore, como o do serviço mais lento – pois certas coisas são artesanais, de fato, e dispensam a urgência de fast-food. Eu sei que o café coado tem seu tempo, que aquela cerveja especial pode valer uma explicação... Mas me refiro aos exageros de um sistema que envolve estética, linguagem, adequação social, conhecimentos prévios, normas... E a um atendimento sem paciência com neófitos. No fim, não fica tudo parecido com a rigidez citada por Yves Camdeborde? Trocamos apenas um maître de nariz empinado por um barbudo indiferente?
Veterano de restaurantes, já não me intimido com aparências e “criptografias”, seja onde for. Pergunto, e pronto. Mas muitos comensais se assustam. E, mesmo considerando conceito, posicionamento, público-alvo: de que vale ser cool, se a clientela tem receio de entrar?
* Luiz Américo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso