Não se fazem mais mocinhos de novela como antigamente. Ainda bem. A sociedade evoluiu nas últimas décadas, portanto, é natural que a ficção acompanhe as mudanças da realidade. Basta um breve esforço para puxar pela memória os personagens masculinos dos quais você se lembra. Até as décadas de 1980 e 1990, era comum, para não dizer normal, que os protagonistas traíssem suas amadas, as tratassem como propriedade e estivessem bem longe de serem príncipes encantados. Tanto que, ao assistir a reprises de algumas tramas, atitudes, diálogos e cenas podem até chocar o telespectador do século 21.
Aproveitando a possibilidade de rever novelas como Tieta (1989) e Explode Coração (1995), disponíveis no Globoplay, é impossível não perceber a transformação dos mocinhos ao longo do tempo. Eles não são mais indispensáveis na trajetória das protagonistas, e a equação "declaração de amor + noivado + casamento + filhos = felizes para sempre" tem muitas variáveis. O final solo de Luz (Marina Ruy Barbosa), em O Sétimo Guardião (2018), pode deixar de ser exceção e virar regra em folhetins futuros.
Com base nessas reflexões, Retratos da Fama conversa com o especialista em teledramaturgia Nilson Xavier e com a psicóloga e colunista do DG Andréa Alves, que analisam as mudanças na personalidade dos homens tanto na ficção quanto na vida real. Confira ainda alguns tipos de mocinhos que povoam as novelas e ilustram a evolução do comportamento masculino nos últimos anos.
O MACHÃO
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Irritado, ciumento e sem paciência para os dilemas femininos, este tipo já foi mais comum na telinha. Porém, felizmente está em extinção (ao menos na ficção). Alega que suas “explosões” e barracos são consequência de um amor enorme, argumento que, muitas vezes, acaba derretendo o coração das mocinhas. Mas não por muito tempo. Geralmente, a protagonista deixa o machão a ver navios no final da história.
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Na teledramaturgia, a transição dos machistas para homens mais compreensivos foi lenta e gradual. Segundo o especialista em dramaturgia Nilson Xavier, autor do Almanaque da Telenovela Brasileira (editora Panda Books, preço médio R$ 56), a ficção funciona como um espelho da realidade:
– A telenovela sempre se pautou pela sociedade. Ao refleti-la, avançou e retrocedeu com ela. Isso é visível justamente nos perfis dos personagens, seus comportamentos e atitudes, embasados no que o público espera. Porém, é preciso lembrar: para o bem e para o mal.
É UMA CILADA, BINO
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Sedutor, dono de um charme irresistível, ele sabe exatamente o que dizer para deixar uma mulher apaixonada. Porém, depois que a “vítima” cai em sua teia, ele deixa a máscara cair e mostra sua verdadeira face: que não é nada agradável. As mocinhas que caem na lábia desse tipo de malandro passam por maus bocados.
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A psicóloga Andréa Alves, colunista do DG, ressalta que as mulheres do século 21 não admitem mais certos tipos de comportamento.
— Começou a surgir uma mulher mais empoderada, cuja satisfação não era só cuidar dos filhos e da casa.
Andréa argumenta que as mulheres de 20 ou 30 anos atrás ainda se deixavam dominar por um modelo patriarcal e machista.
— Até os anos 80 e 90, os homens ainda tinham essa questão de serem os chefes da família, essa questão financeira ainda era muito forte. Lidar com a criação e educação dos filhos ainda fazia parte das lidas domésticas femininas.
O DON JUAN
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Ele abre a porta do carro, manda flores, fala palavras bonitas e diz que encontrou a mulher de sua vida. Lindo, pena que ele faz isso com todas. Ou, pelo menos, já usou a mesma tática com muitas desavisadas. Quem garante que com a mocinha, depois de encontrar o verdadeiro amor, tudo vai ser diferente?
O IDEALIZADO
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Bonito, inteligente, trabalhador e educado: esse cara é ele. Sim, ele é perfeito, o amor da vida da mocinha, futuro pai de seus filhos. Mas é justamente por ser tão maravilhoso, que o caminho até o final feliz é ainda mais árduo. Podem se passar anos e muito sofrimento até o reencontro.
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Pode ser que o final feliz não aconteça nesta vida, só na próxima encarnação. Ou, até o momento tão esperado, lágrimas e mais lágrimas serão derramadas até aquele momento tão especial. Não importa, esse é amor pra valer. Parece coisa de novela. E é.
O COMPANHEIRO
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Mais do que um par romântico, uma dupla imbatível e inseparável. Um homem justo, íntegro e que persegue os mesmos ideais de sua amada, levando a sério a promessa de ficarem juntos "na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza".
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O altruísmo e a generosidade são algumas das marcas do “mocinho ideal” das novelas atuais, de acordo com Nilson:
— Um personagem preocupado com o coletivo, com o futuro da Terra e da Humanidade, mais justo, empático e ciente de seus direitos e deveres, que não se deixa abater pelas adversidades, que ajuda a construir um mundo melhor e mais humano, visando o outro, não apenas a si. O ideal seria um final do tipo "E estão felizes" no lugar do "E foi feliz para sempre".
O TRANSFORMADO
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Eles são a prova viva de que um grande amor pode modificar as pessoas. Se, em um passado não muito distante foram rudes, egoístas e conquistadores inveterados, tudo virou do avesso ao encontrarem suas amadas.
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Se os homens mudam, seja na ficção ou na vida real, isso se deve muito ao fato de que as mulheres sabem se impor, são donas de seus desejos e não admitem mais certas atitudes.
— Hoje a gente vê o homem receber mais críticas. Se ele tiver uma atitude muito machista, a mulher vai dizer que ele está sendo babaca. Tu vês as jovens batalhando por um espaço importante, de respeito, trazendo à tona isso com força, com outros valores — diz Andréa.
O HERÓI
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Quando a amada está em apuros, ele aparece em seu cavalo, pronto para defendê-la. Mais comum em novelas de época, esses mocinhos são valentes, destemidos e sem defeitos. Elas, frágeis e indefesas, suspiram e se deixam resgatar com todo o prazer.
O (QUASE) INVISÍVEL
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Reflexo dos tempos modernos, as mulheres estão cada vez mais independentes e donas de si. O amor não é mais a única prioridade, apenas uma consequência que, se vier, tem que ser daquele jeito que não estrague tanta autossuficiência. Por isso, os protagonistas masculinos são, muitas vezes, relegados a coadjuvantes. Elas podem brilhar sozinhas, sem que precisem de um braço forte para defendê-las. Eles estão lá, prontos para um carinho, palavras de amor e cenas românticas. Mas em tempos de empoderamento feminino, os galãs quase somem diante da força delas.
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Para Nilson Xavier, este movimento o pode levar até a desfechos em que a mocinha não necessite mais de um parceiro para ser "feliz para sempre".
– Anseio por isso. Mas já notamos um movimento dos autores de novelas que parecem mais cientes dessa realidade.