Dois Marcelos que foram ícones da música brasileira nos anos 1990 sentaram lado a lado no programa Conversa com Bial, que foi ao ar na noite desta terça-feira (12). O rapper Marcelo D2 e o músico Marcelo Yuka, membro fundador da banda O Rappa, falaram sobre a amizade e a trajetória na música, além de novos projetos.
Em 2013, os dois se uniram no projeto Ao3 (Ao Cubo), que conta ainda com Seu Jorge. Mas a parceria começou muito antes.
— Lembro do dia em que conheci o Yuka. Eu era camelô no Largo do Machado e o Skunk (idealizador do Planet Hemp, grupo do qual D2 foi vocalista) falava "conheça o Yuka, cara gente boa pra caramba". O Yuka apareceu com uma fita K7 do Massive Attack. Eu pirei. Falei: "Esse cara é maneiro pra caralho" — definiu D2 sobre o primeiro contato com o então baterista do grupo O Rappa.
Ao gravar um novo disco, Amar É Para os Fortes, que também é representado em um filme, D2 acabou reproduzindo um pouco da própria vida. Estudou técnicas de roteiro para o cinema e escreveu o texto do filme, cujo protagonista é inspirado nele mesmo: um rapaz que nasceu em um lugar violento e ainda assim acha que pode mudar o mundo com a arte.
— Estava cansado de fazer disco. Veio a ideia de fazer um álbum visual. Queria contar a história sob a perspectiva de outro cara. Não sou mais aquele garoto que andava nas ruas e tomava dura todo o dia. Queria contar essa história porque o Rio está de novo como o Rio dos anos 1990, super violento. Tenho quatro filhos e sei o quanto é difícil manter a galera na linha.
Enquanto D2 se aventura no cinema, Yuka mexe com a pintura. Sofrendo de insônia, passou a pintar e a desenhar desde que se viu numa cadeira de rodas. É uma forma, diz, de superar a insônia e atravessar as noites.
— Estou sempre procurando essa sensação em branco onde possa tatuar alguma coisa que eu não consegui deglutir na vida — refletiu.
Em seguida, apontou para a pintura de um homem armado e disse:
— Poderia ser vingança, mas é arte.
Em 2000, Yuka foi baleado quando tentou evitar que uma mulher tivesse o carro roubado por oito homens no Rio. Os nove tiros que levou nas costas o tiraram de cena e o deixaram paraplégico. Tem seus movimentos limitados em uma cadeira de rodas desde então.
— A única coisa que posso dizer que aprendi é o seguinte: eu não guardo rancor. Tenho o coração puro. Se eu vivesse numa sociedade que investe mais em educação, as chances de acontecer isso comigo seriam menores. Não acredito em repressão só pela repressão. A única coisa que posso dizer é que não guardo rancor. Juro para vocês — disse, arrancando aplausos da plateia.
Yuka sofreu uma infecção generalizada em 2016, o que deixou ainda mais focado no trabalho. Em um ano, pintou 300 quadros. Também lançou novas parcerias, como a feita com Marisa Monte na música Desterro, gravado na banda F.U.R.TO., banda que criou após O Rappa.
— Mesmo quando eu não tinha visibilidade, estava produzindo. Estar tão perto da morte me fez sentir que eu sou o último de mim. Não tenho filhos. Me prendi a coisas essenciais, como a amizade — refletiu Yuka.