Após 77 dias de dramas, intrigas e pouca ação, Regina Duarte deixou a Secretaria Especial da Cultura nesta quarta-feira (20). Em um vídeo postado nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro disse que ela relatou sentir falta da família e o desejo de voltar para São Paulo. A atriz deve tomar posse, nos próximos dias, na Cinemateca Brasileira, com sede na capital paulista.
Por conta de seus papéis de mocinha nas telenovelas, Regina foi intitulada a "namoradinha do Brasil" ao longo da carreira. Em janeiro, ela firmou um "noivado" com o governo Bolsonaro para assumir o comando da subpasta, então vinculada ao Ministério do Turismo, no lugar do defenestrado Roberto Alvim. O "casamento" foi sacramentado no dia 4 de março.
No entanto, foi um matrimônio tumultuado. Atacada por fogo amigo disparado pela ala ideológica do governo, além de ser constantemente criticada pela classe artística, Regina assumiu papel de coadjuvante no governo. Pior, para uma estrela de seu envergadura na dramaturgia brasileira: não foi além de uma performance de uma coadjuvante quase sem falas na trama.
Assumiu a subpasta com a missão de buscar pacificação e diálogo para o setor, o que não ocorreu. Tampouco houve projetos para a Cultura, que é uma das áreas que mais agoniza com a pandemia do coronavírus. Com pouco mais de dois meses como secretária, em uma atuação marcada pela falta de autonomia, passou protagonizou a novela de uma fritura pública. Ou, pela curta duração, uma minissérie.
A seguir, relembre as tensões que Regina enfrentou ao longo de seu mandato. Aliás, as desavenças começaram já no dia da posse.
DIA 1 - 4/3
Logo que foi nomeada, Regina exonerou uma série de assessores que trabalhavam com Roberto Alvim — demitido após a repercussão de um vídeo em que emulava conceitos nazistas sobre arte e cultura —, alguns deles ligados ao escritor Olavo de Carvalho. Consequentemente, ela foi criticada na web por Olavo e militantes apoiadores do escritor e do presidente, sendo chamado "esquerdista".
DIA 4 - 8/3
Em uma polêmica entrevista ao Fantástico, Regina lamentou ter "perdido tempo" com "uma facção que quer ocupar" espaço na pasta, o que gerou mais tensões com apoiadores e integrantes do governo. O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, criticou publicamente a atriz por ter usado o termo "facção".
"O presidente valoriza a Cultura, que deve se espelhar na família tradicional e nos princípios cristãos. Nosso governo tem um norte: a vontade da maioria do seu povo. Nisso Regina e Bolsonaro devem estar juntos. São seus ministros e secretários que devem se moldar aos princípios publicamente defendidos pelo presidente da República, não o contrário. O uso do termo 'facção' em entrevista, sem nomear seus supostos integrantes, dá a entender que há divisões inexistentes e inaceitáveis em nosso governo", escreveu Ramos, em sua conta do Twitter.
Na mesma entrevista, Regina falou sobre a permanência do jornalista Sérgio Camargo à frente da Fundação Palmares. Ela classificou Camargo como um "ativista, mais que um gestor público", além chamá-lo de "problema". Contrário ao movimento negro, Camargo teve a sua nomeação suspensa por ordem judicial em dezembro de 2019, devido a comentários nos quais afirmou, por exemplo, que o Brasil tem "racismo Nutella". A nomeação foi liberada posteriormente.
Pelo Twitter, Camargo ironizou a fala da secretária, sua superior hierárquica da subpasta. "Bom dia a todos, exceto a quem chama apoiadores do Bolsonaro de facção e o negro que não se submete aos seus amigos da esquerda de "problema que vai resolver", escreveu no dia seguinte da entrevista.
Dia 5 -9/3
Uma portaria publicada derrubou uma das nomeações realizadas por Regina na secretaria . Em edição extra no Diário Oficial da União, Maria do Carmo Brant de Carvalho teve sua indicação como a nova Secretária da Diversidade Cultural tornada "sem efeito" pelo Planalto. A decisão foi considerada uma vitória da chamada "facção".
Maria do Carmo tinha sido nomeada na manhã daquele dia e era uma escolha pessoal da atriz. Ela é doutora pela PUC-SP e, desde que seu nome vinha sendo sondado para assumir a secretaria, foi atacada nas redes sociais por ter sido secretária de Assistência Social durante o governo de Michel Temer.
Dia 30 - 3/4
Ao longo de seu mandato, Regina seria constantemente criticada por ex-colegas de profissão, assim como pela classe artística. Em entrevista a Veja Rio, publicada no site da revista no dia 3 de abril, Antonio Fagundes afirmou: "Ela está se queimando de todos os lados. O cobertor é muito curto".
Uma publicação de Regina no Instagram, em apoio as ações do presidente diante da pandemia do coronavírus, gerou a indignação da atriz Julia Lemmertz, que foi sua colega na Globo. "Você defende esse despreparado que pede ao povo para voltar às ruas, para que se contaminem e adoeçam também suas famílias que ficaram em casa? Onde está a sua lucidez, a sua capacidade de discernimento? Isso não tem a ver com política , mas com humanidade, sendo ele responsável por uma nação que ele deveria proteger", escreveu Julia, nos comentários do post.
Dia 50 - 23/4
Foi revogada a nomeação do pesquisador Aquiles Ratti Alencar Brayner para o cargo de diretor do Departamento de Livro, Literatura e Bibliotecas, da Secretaria da Economia Criativa, da Secretaria Especial da Cultura. Ele havia sido nomeado seis dias antes. Aquiles foi chamado de "esquerdista infiltrado", "esquerda caviar" e "esquerdista de carteirinha" nas redes sociais e sites pró-governo.
DIA 55 - 28/4
Bolsonaro criticou o distanciamento de Regina, em entrevista na portaria do Palácio do Alvorada, afirmando que a secretária tem dificuldade na condução da pasta:
— Infelizmente a Regina está trabalhando pela internet e eu quero que ela esteja mais próxima. Uma excelente pessoa, um bom quadro, é também uma secretaria que era ministério, muita gente de esquerda, pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite, e ela tem dificuldade nesse sentido — disse.
Até então, Regina estava desde o fim de março trabalhando de sua casa, em São Paulo. Aos 73 anos, ela integra o grupo de risco da covid-19 e foi desaconselhada a manter a rotina de viagens a Brasília.
No mesmo dia, o jornal a Folha de S. Paulo publicou que Bolsonaro deu o aval aos seus aliados para iniciarem um processo de fritura de Regina, com o objetivo de fazer com que ela pedisse demissão do cargo. Segundo a reportagem, o presidente reclamou da dificuldade de diálogo com a atriz e da resistência dela em implementar mudanças.
Dia 62 - 5/5
Um indício forte de fritura da secretária ocorreu neste dia: o maestro Dante Henrique Mantovani foi reconduzido ao cargo de presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), após dois meses afastado das funções. Mantovani havia sido exonerado no mesmo dia em que Regina foi nomeada para comandar a subpasta. Antes de assumir, a atriz já havia sinalizado que ele estaria fora de sua equipe. Ao final do dia, o maestro foi exonerado novamente.
Dia 63 - 6/5
Diante das incertezas sobre sua permanência no cargo, Regina foi recebida por Bolsonaro para um almoço no Palácio do Planalto. Apesar da expectativa da demissão, o encontro teve clima de descontração.
Dia 64 - 7/5
O momento de maior controvérsia de Regina como secretária foi em sua entrevista a CNN Brasil: ela minimizou as mortes na ditadura militar, cantou um dos hinos do regime (Pra Frente Brasil) e disse que a pandemia do coronavírus estava "trazendo uma morbidez insuportável". Questionada pelo silêncio diante da morte de diversos artistas desde que assumiu a secretaria, a atriz alegou que não queria fazer um "obituário" na subpasta.
Ao ser exibido um vídeo em que a atriz Maitê Proença pede soluções para a classe artística em meio à pandemia, Regina retirou os fones de ouvido e protestou:
– Tá desenterrando o vídeo da Maitê para quê? Ela tem o meu telefone, ela fala comigo. Eu tinha tanta coisa bacana para falar. Vocês estão desenterrando mortos.
A entrevista foi encerrada.
Dia 73 - 16/5
Outro revés de Regina foi com a nomeação do secretário adjunto da Cultura. Segundo relatou em uma live a ex-ocupante do cargo, Janicia Silva, a atriz tinha a intenção de nomear o produtor de teatro Humberto Braga. No entanto, a ala ideológica reagiu contra Braga argumentando que o produtor seria "esquerdista". Antes chefe de gabinete da subpasta, o advogado Pedro Horta foi empossado como secretário no final de abril, porém exonerado no dia 16 de maio.
Dia 77 - 20/5
Regina Duarte deixa a Secretaria Especial da Cultura.