
Ninguém interpretando Bob Fosse consegue se sentir um bom dançarino.
Nem mesmo Sam Rockwell, que tem um gingado tão bom que muitos de seus personagens não conseguem chegar ao fim de um filme sem dar uns passinhos. Ele improvisou movimentos graciosos para os vilões que interpretou em "As Panteras" e "Homem de Ferro 2". A maneira como dançou na cena do jantar para um videoclipe da dupla Flight Facilities fez lembrar a ótima participação de Christopher Walken no vídeo "Weapon of Choice", de Fatboy Slim.
Portando cartola e bengala, Rockwell dançou durante seu monólogo no "Saturday Night Live" e, vestindo uma roupa justa, fez um espacate no "The Tonight Show". Na festa organizada pela revista "Vanity Fair" para o Oscar em fevereiro, ele e a namorada, a atriz Leslie Bibb, deram início a uma roda de dança que acabou com Glenn Close dominando a pista em um macacão cintilante.
"Leslie é uma excelente dançarina profissional", disse Rockwell sobre a alta e ágil namorada, que interpretou a esposa de Will Ferrell em "Ricky Bobby – A Toda Velocidade" e está prestes a estrear uma série da Netflix no papel de uma mãe super-heroína.
O ator, que tem 50 anos, parecia exausto quando o encontrei recentemente no Hotel Bowery para falar sobre seu mais recente projeto, "Fosse/Verdon", uma série em oito partes transmitida pelo FX. Michelle Williams, no papel de Gwen Verdon, também estrela a atração, concebida por Lin-Manuel Miranda e Thomas Kail, diretores de "Hamilton" e "In the Heights", e produzida por Steven Levenson. Nicole Fosse, a filha dos dois dançarinos, também é produtora. A série é baseada na biografia escrita por Sam Wasson, "Fosse".
A ruiva Verdon, Wasson me contou, foi "possivelmente a grande estrela de musicais de comédia de todos os tempos", conquistando quatro prêmios Tony em seis anos na década de 50. Fosse foi a única pessoa a ganhar os prêmios Oscar (por "Cabaret"), Tony (por "Pippin") e Emmy (por "Liza With a Z") no mesmo ano.
Naquela manhã, antes de ensaiar por quatro horas, Rockwell tinha ido ao estúdio de fitness SoulCycle para não descuidar da forma enquanto interpreta o ágil e flexível Fosse, que era viciado em trabalho, mulheres, Camels (cigarros), dextroanfetamina e secobarbital, sem mencionar a satiríase que o acompanhou a vida toda.
Assim como Fosse e Verdon, Rockwell foi exposto ao mundo do entretenimento muito cedo. Tanto o pai quanto a mãe queriam ser atores. Ele aprendeu alguns passos durante o ensino médio em San Francisco. Queria se livrar de "um grupo de supremacistas brancos" e começou a andar com "uma galera que gostava de dançar. Frequentávamos bailes do ensino médio bem quando o filme 'Footloose' e o álbum 'Thriller' do Michael Jackson tinham sido lançados. E o break. Era uma maneira de conhecer garotas, mas acabei gostando, entrando na onda James Brown".
[A]pesar de ter ritmo e gingado, aprender uma coreografia como aquela é uma coisa completamente diferente. Fazer balé, jazz, sapateado desde os seis anos não é igual ao que faço.
SAM ROCKWELL
ator
Quando começaram a fazer a série, Rockwell lembrou: "Fui metido e disse: 'Sei dançar', então entrei em uma sala e tentei acompanhar, e não demorou a ficar óbvio que não sou realmente um dançarino. E, apesar de ter ritmo e gingado, aprender uma coreografia como aquela é uma coisa completamente diferente. Fazer balé, jazz, sapateado desde os seis anos não é igual ao que faço."
Ele teve aulas intensivas para aprender o fundamental do sapateado e o básico do que Fosse fazia. "Sapatear é difícil", revelou. Além disso, teve de raspar a cabeça para acomodar a peruca que imita o cabelo de Fosse, fino e penteado de lado para esconder as falhas.
Fosse mudou os filmes e a Broadway para sempre, inventando uma linguagem original a partir da dança americana: movimentos pequenos e isolados, marcados por síncopes, com traços do burlesco e do showbiz com S maiúsculo.
"Ele introduziu um brilho sombrio, o que é muito difícil de fazer na dança, incluir sentimentos negativos a algo exuberante e vital", Wasson me explicou.
Clooney: 'Eu o odeio'
Rockwell ficou surpreso com a reação negativa à aparente redenção, no fim do filme, do policial racista que interpretou em "Três Anúncios para um Crime" (o papel lhe rendeu um Globo de Ouro e um Oscar de melhor ator coadjuvante), mas "não posso me preocupar com isso".
"Cresci no cinema, com todos os filmes americanos dos anos 70 sobre os anti-heróis. 'Perdidos na Noite', 'Taxi Driver', 'Cada um Vive Como Quer', 'Terra de Ninguém', 'Silkwood – O Retrato de uma Coragem', 'A Escolha de Sofia', 'Touro Indomável', 'Caminhos Perigosos'. Todos esses filmes retratam anti-heróis. Não se veem mais muitos deles hoje em dia. Você vê muitos super-heróis, arquétipos. Acho muito divertido interpretar anti-heróis, são simplesmente personagens mais interessantes. Como o cara de 'Cada um Vive Como Quer', que é meio babaca, sabe?"
Ele novamente precisou vestir a carcaça para interpretar mais um racista que se envolve com uma mulher forte e se torna uma pessoa melhor em "Best of Enemies" ("O Melhor dos Inimigos", em tradução livre). É pouco provável que a produção receba as mesmas críticas, visto que Rockwell interpreta uma pessoa real, um exaltado e grandioso membro de um grupo da Ku Klux Klan de Durham, na Carolina do Norte, que se converte em um ativista defensor dos direitos civis graças a uma mulher afro-americana, interpretada por Taraji P. Henson.
Rockwell disse não acreditar que o personagem de "Três Anúncios" tenha realmente encontrado a redenção. "Acho que ele está a caminho de alguma coisa. Mas é como no fim de 'Gênio Indomável', quando Matt Damon chora nos braços de Robin Williams e, em seguida, vai atrás de Minnie Driver. É como se ele estivesse em um processo. Como se dissesse: 'Acabou a terapia.' Entende? Você não chora em um minuto e no outro interrompe a terapia. É a mesma coisa com Dixon. Ele está a caminho de se tornar uma pessoa melhor."
Rockwell declarou que toparia ser comido vivo por ratos para trabalhar com McDonagh. O irlandês confessou admirar Rockwell porque, ao mesmo tempo que é "o cara mais adorável e bacana com quem já trabalhei, tão inteligente e generoso, uma alegria tê-lo por perto", ele traz "um quê de perigo" às atuações.
George Clooney concorda com a descrição. Foi ele o responsável pelo papel que alçou Rockwell ao sucesso em "Confissões de uma Mente Perigosa", em que Chuck Barris, criador do concurso de talentos "The Gong Show", alegava ser um assassino da CIA.
"Sam é de longe um dos melhores atores que já vi. A habilidade que tem de nos fazer torcer por personagens que normalmente seriam desprezados é única. Ele faz tudo parecer tão fácil. Pensando bem, eu o odeio", Clooney concluiu.
Mais para tio do que para pai
Kail comparou Rockwell a um músico de jazz que só produz sons surpreendentes após "examinar cada cena meticulosamente e passar um tempo pensando nela". O que explica o retrato perfeito que fez de George W. Bush em "Vice", pelo qual também foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
"Fiquei obcecado. Assisti a inúmeras entrevistas. Existe uma autobiografia narrada por ele. Pedi ao meu treinador de dialeto que a analisasse detalhadamente", recordou-se.
Bibb brincou no tapete vermelho do Globo de Ouro que achou perturbador sentir-se atraída sexualmente por Bush enquanto ele interpretava o papel.
Perguntei se ele ainda não quer ter filhos.
"É, eu e Leslie não vamos ter filhos. Não é minha praia. Faço mais o tipo do tio", respondeu.
Perguntei se tinha alguma relação com sua infância, quando os pais se separaram e ele ficou com o pai em San Francisco enquanto a mãe, boêmia, se mudou para Nova York com o objetivo de perseguir a carreira de atriz.
Ao que ele respondeu: "Pode ser, mas hoje dia todo mundo vem de um lar problemático. Tive uma boa mãe de verdade, ela fez o melhor que pôde. Acho que sou egoísta demais para ser pai, sei o que seria preciso fazer, entende? Simplesmente não quero colocar uma criança nessa situação – meu estilo de vida é um pouco louco, e acho que Leslie se sente da mesma forma – e, francamente, sou muito egoísta. Quero ter minha vida e acordar à hora que quiser. Prefiro tomar conta do cachorro, da Leslie e de mim."
Por Maureen Dowd