
SAN FRANCISCO – Quando você entra na nova exposição "Snap+Share" (Fotografe e Compartilhe), no Museu de Arte Moderna de San Francisco, a imagem de um gato de olhos brilhantes com muitas vidas on-line espreita de um buraco na parede.
Você talvez se pergunte se o museu criou uma exposição para angariar curtidas no Instagram ou no Facebook. O gato-no-buraco é um meme reconhecível da internet, enquanto o título da exposição é em si obviamente um trocadilho com o Snapchat, o aplicativo de mensagens e compartilhamento de fotos. E o museu, a uma curta caminhada da sede do Twitter, está competindo ativamente com outras instituições culturais para atrair a comunidade tecnológica local, com o objetivo de conseguir tanto financiamento quanto público.
Mas a exposição oferece mais do que apenas oportunidades para tirar selfies (há duas ou três). Clément Chéroux, curador sênior de fotografia do museu (que afirma não ter recebido nenhum apoio financeiro do setor), está explorando como a transmissão de imagens evoluiu da era analógica para a digital. Em especial, ele defende eloquentemente que o compartilhamento de fotos em mídias sociais vem de uma linhagem histórico-artística séria.
A exposição questiona a mitologia comum de que a internet mudou radicalmente a forma como compartilhamos fotos de nós mesmos, de nossos bichos de estimação e de nossas férias, e criou "um tipo de diálogo inteiramente novo", como escreveu o colunista de tecnologia Nick Bilton. Em vez disso, ela propõe que as raízes desse tipo de compartilhamento surgiram décadas antes, criando uma evolução, não uma revolução.
"Enviamos cartões-postais e instantâneos desde o início da fotografia", explica Chéroux, embora notando que o volume e a intensidade da comunicação obviamente cresceram com as mídias sociais. "A exposição como um todo está brincando com essa tensão, contrapondo o novo ao não tão novo."
A evidência mais notável da argumentação da exposição é a "arte postal" dos anos 1960 e 1970, em que artistas usaram o serviço postal como colaborador involuntário de seus projetos. Por exemplo, em 1966 Ray Johnson enviou a Joseph Cornell um autorretrato fotográfico, na esperança de começar uma amizade com um de seus heróis artísticos. E, em 1972, Lynn Hershman Leeson fez selos postais com imagens parcialmente obscurecidas de seu rosto, desafiando o governo dos EUA a carimbá-las e assim completar a destruição de sua identidade.
Outros artistas postais na exposição incluem o artista conceitual japonês On Kawara; o artista holandês Jan Dibbets, que fez experimentos com fotografia colorida e perspectiva; e o artista húngaro Endre Tót, filiado ao grupo Fluxus. Exemplos de dezenas de artistas menos conhecidos são apresentados numa grande vitrine de arte postal enviada ao artista e arquivista John Held, de San Francisco.
É discutível a premissa de Chéroux de que a arte postal pressagiou as mídias sociais. Contrastando com o DNA comercial de compartilhamento de imagens hoje, essa foi uma das maneiras mais subversivas de fazer arte no século 20, com raízes nos movimentos antiarte e antimercadoria do dadaísmo e do Fluxus. E era comum que os artistas postais enviassem cartões-postais, cartas e pacotes a destinatários escolhidos a dedo, criando redes longe do amplo alcance e da popularidade das mídias sociais.
Por que não explorar outros momentos históricos em que se transmitiam fotos pelos meios de comunicação de massa, como o surgimento de revistas de fotos ou de álbuns de fotos? Chéroux se declara mais interessado em algo mais íntimo, na "troca de imagens de pessoa a pessoa, os gestos dizendo 'estou aqui' ou 'este sou eu'" – um impulso que ele afirma estar tanto na arte postal quanto no compartilhamento por meio das mídias sociais.
Já fiz arte postal, e me dá a impressão de ser um relacionamento amoroso com alguém, em que você passa longas horas fazendo arte apenas para essa pessoa.
JEFF GUESS
artista
Um dos artistas da exposição, Jeff Guess, que vive em Paris, acha o argumento estranhamente convincente. "Já fiz arte postal, e me dá a impressão de ser um relacionamento amoroso com alguém, em que você passa longas horas fazendo arte apenas para essa pessoa. Mas também dá para considerar que as mídias sociais são uma forma de comunicação interpessoal que usa imagens, só que numa escala muito mais intensa."
Para sua animação computadorizada "Addressability" (Endereçabilidade) na seção contemporânea da exposição, Guess desenvolveu um programa que pega imagens postadas no Twitter sob a hashtag "selfie" e desintegra cada uma delas, transformando-as numa galáxia de pixels que flutuam no espaço. Os cacos se juntam novamente formando uma imagem legível, e então explodem.
Embora a internet e a arte digital ainda sejam um assunto relativamente raro para exposições em museus, um número crescente de exposições vem analisando as raízes históricas dessa área. "Programado: Regras, Códigos e Coreografias em Arte, 1965-2018", no Museu Whitney de Arte Americana, até 14 de abril, mostra como a arte conceitual, orientada por instruções de Sol LeWitt, Lawrence Weiner e outros, prenunciou obras programadas por computador. "The Body Electric" (O Corpo Elétrico), que abriu recentemente no Centro de Arte Walker, enfoca os últimos 50 anos de vida virtual. E o Centro ZKM de Arte e Mídia, em Karlsruhe, na Alemanha – entre os mais importantes nessa área –, acabou de fechar a mostra "100 Obras-Primas com e Através da Mídia", uma exposição que abrange séculos e que também incluiu alguns exemplos de arte postal.
"Na era do Snapchat, a arte postal torna-se mais interessante novamente", comenta Peter Weibel, o artista e teórico que dirige a ZKM. Weibel acrescenta que a arte postal preenche dois de seus três critérios para "arte de mídia": usar um "aparelho" para sua produção (como uma máquina de escrever) e outro para a distribuição (como um caminhão ou um avião); só lhe falta um aparelho para a recepção.
Em "Snap+Share", talvez o exemplo mais perspicaz de arte postal seja "I Got Up…" (Eu me Levantei…), de Kawara, um conjunto de cartões-postais turísticos que ele enviava diariamente de diferentes locais a seus amigos ou colegas. Em cada cartão, ele carimbava a hora em que se levantara de manhã. A série parece feita para postar no Twitter ou no Facebook, embora tenha começado em 1968. Durando mais de 10 anos, ela explorou os temas de sobrecarga de imagens e saturação de informações que marcam o momento cultural de hoje.
A última metade de "Snap+Share" mostra artistas reagindo a essa inundação de imagens. A instalação de Erik Kessels "24HRS in Photos" (24 Horas em Fotos), que estreou em 2011, assume a forma de uma montanha de fotos impressas preenchendo uma galeria inteira; a intenção é evocar as centenas de milhares de imagens enviadas para o Flickr num período de 24 horas naquele ano. A série de fotos de Corinne Vionnet, "Photo Opportunities" (Oportunidades Fotográficas), apresenta locais turísticos como a Torre Eiffel e a Ponte Golden Gate. Mas, em vez de mostrar uma imagem de um marco famoso, ela constrói uma imagem composta e borrada (porém ainda inteligível) de dezenas que encontrou on-line, documentando o que ela chama de "clichês turísticos".
Chéroux decidiu não incluir trabalhos feitos para o Instagram por artistas como Stephen Shore e Cindy Sherman. "Não é preciso ir a um museu para ver", ressalta. "Dá pra ver em casa no celular."
O museu montou uma instalação para selfies, disponibilizando uma geladeira onde as pessoas podem posar com a cabeça no congelador, seguindo as instruções do artista David Horvitz. Ele publicou as selfies pela primeira vez em mídias sociais em 2009 e o trabalho tem gerado imagens brincalhonas desde então.
Outro experimento de criar memes, o gato na entrada da exposição retorna na última galeria. Só que agora, em vez de uma reprodução fotográfica na parede, a criatura assume a forma de um gato taxidermizado saindo de um buraco no teto do museu, com olhos verde-claros brilhando de cima. Essa obra foi realizada por Eva e Franco Mattes, para brincar com a famosa imagem "gato do teto", publicada pela primeira vez on-line em 2006. Eles pegaram a criatura que paira olhando para nós enquanto olhamos para ela – alguns enxergam nela um símbolo da própria internet – e a transformaram numa escultura tridimensional.
E ela poderia – em nossa era de aceleração da imagem – se metamorfosear novamente em nanossegundos. Agora que esse gato chegou a um ponto tão alto na esfera do museu, certamente será fotografado e postado pelos visitantes, enviando-o de volta ao vasto fluxo digital. Dessa forma, o fim da exposição marca outro começo, com as antigas divisões entre alta e baixa cultura no mundo da arte entrando em colapso ao longo do caminho.
Por Jori Finkel