
Nova York – Digamos que você esteja navegando pelo Instagram. Aquela salada de folhas tentadora? Você passa batido. Idem para a foto da mulher de olhar misterioso na praia ou a de um amigo de um amigo. Oh, e veja – um cachorrinho!
E eis que você para de repente em um trabalho de Cj Hendry. A imagem o deixa confuso: seus desenhos feitos com lápis e caneta são tão meticulosamente detalhados que mais parecem fotografias.
"Este é um desenho a lápis. Dá para acreditar?", escreveu um dos seguidores do Instagram.
Outro comentou: "Minha nossa! Absolutamente incrível!"
Hendry, de 31 anos, é o que você pode chamar de artista do Instagram – alguém que começou, e prosperou, por causa da plataforma que amamos odiar e odiamos amar. Ela não tem trabalhos expostos em galerias. Na verdade, banca suas próprias exposições individuais e regularmente vende suas obras, cujos preços podem chegar a até US$ 250 mil. É um exemplo de como um artista pode sobreviver – até mesmo prosperar – fora do tradicional mundo da arte, graças às redes sociais.
Em uma plataforma tomada por imagens efêmeras, seus desenhos estranhos – onde cada detalhe chama a atenção – são de cair o queixo, truques mentais que nos fazem parar e olhar. "As pessoas ainda não conseguiram entender", disse Hendry durante uma entrevista recente em seu estúdio em Greenpoint, no Brooklyn.
Sua habilidade técnica é inegável, mas o sucesso pode ser atribuído à acessibilidade. Em sua conta no Instagram, ela dá mostras de trabalhos em andamento, deixando que seus seguidores saibam o que está fazendo – uma novidade no setor da arte.
"É quase como se você tivesse um conhecimento mais profundo dessas peças quando as compra, coisa que não acontece se você adquire algo de uma galeria", disse Ben Kaufman, diretor de marketing do BuzzFeed, que descobriu Hendry no Instagram e possui dois de seus desenhos. "Você pode vê-los tomar forma por meio de suas stories e de seus posts."
Ela faz um pouco mais em suas exposições, unindo todos esses elementos para criar instalações de imersão. Para a última, "Rorschach", que começou em 10 de abril em Dumbo, no Brooklyn, ela criou uma casa saltadora, projetada para se parecer com o interior de um hospital psiquiátrico. (As paredes são acolchoadas.)
"Na verdade, não é só sua arte. É como ela cria essa abordagem multifacetada que envolve outras disciplinas e táticas", disse Rachel Shechtman, fundadora da loja conceitual de Nova York, a Story, que muda suas ofertas a cada mês com base em um tema.
A trajetória improvável de Hendry começou em novembro de 2016, quando ela postou seu primeiro desenho no Instagram. Na época, havia abandonado a escola de arquitetura em Brisbane, na Austrália, onde cresceu, e dava duro para concluir o quinto ano de um programa de graduação com financiamento para três anos. Então ela se voltou para a arte.
"Pensei: vou fazer um portfólio e transformá-lo em um belo livro para depois enviá-lo às galerias, porque é assim que as coisas funcionam no mundo da arte, não é?", disse ela.
Ela desenhou objetos em preto e branco: um par de sapatos de couro masculino de Yves Saint Laurent, uma bola de basquete, balões de letras, uma nota de US$ 100 amassada com o rosto de Kanye West, um par de luvas de boxe de couro de cobra e uma bolsa Hermès Birkin. A série colocou objetos da fantasia capitalista em um pedestal, fazendo a audiência refletir sobre sua superficialidade.
Ela rapidamente produziu um segundo e, depois de alguns meses, fez sua primeira venda – um desenho de um par de botas R. M. Williams feito a caneta, de 1 m por 1,5 m, por US$ 10 mil. Seu cliente a havia descoberto no Instagram e a contatou.
Em 2017, decidiu usar cores no que disse ser sua primeira, e única, colaboração com uma marca, a Christian Louboutin, para a Art Basel Hong Kong. Ela desenhou borrões de tinta para a exposição, cada um tão ricamente texturizado que parecia ser possível enfiar o dedo na massa.
Então, há um ano, Hendry financiou sua primeira grande exposição individual, "Monochrome", para a qual desenhou uma série de cartões Pantone amassados e criou um espaço interativo em torno deles em um armazém de Brooklyn. Cada uma das sete salas tinha uma cor particular como tema. A sala rosa, por exemplo, tinha um tapete, uma cômoda e uma cadeira em diferentes tons da cor, e seus desenhos de cartões rosa decoravam paredes rosa. Cada canto era tão detalhado quanto seus desenhos, e ela pagou por tudo: sem representante, sem galeria, sem patrocinador – nem mesmo cobrou pela entrada.
Em setembro, Hendry – graças a um possível caso de violação de direitos autorais por tentar lucrar com seus esboços das fotos polaroides que Andy Warhol fez de Jean-Michel Basquiat e outras figuras – decidiu doar seu trabalho para um jogo de caça ao tesouro. Ela deixou caixas vermelhas brilhantes, que continham camisetas com imagens de seus trabalhos, em locais aleatórios de Manhattan, e postou fotos desses locais em suas stories do Instagram. Seus seguidores foram atrás.
Agora, Hendry está se preparando para a exposição "Rorschach", que ela vê como uma tentativa de entrar no mundo da arte mais tradicional. Ela recriou os testes Rorschach aleatoriamente, esguichando tinta em uma página e, em seguida, desenhando as formas coloridas e bonitas. "É uma combinação fascinante do sinistro e do brincalhão. As pessoas vão ver algo diferente a cada vez", disse.
Ela sabe que muitos críticos de arte e figuras mundiais do setor tendem a não levar a sério os artistas do Instagram e do realismo, mas ainda está buscando a aprovação dessa indústria.
A beleza do Instagram é que é uma plataforma que oferece visibilidade extrema.
MARK ROSEN
diretor-associado de marketing da plataforma Artsy
"A beleza do Instagram é que é uma plataforma que oferece visibilidade extrema", disse Mark Rosen, diretor-associado de marketing da Artsy, uma plataforma que ajuda galerias, colecionadores, casas de leilões e feiras de arte a descobrir, comprar ou vender trabalhos on-line. Rosen ajudou a Artsy a desenvolver sua própria estratégia de mídia social.
"Então, se um artista é um 'nativo do Instagram' ou desenvolve sua marca artística exclusivamente na plataforma e viraliza ou chama muita atenção, não há dúvida de que o mundo da arte tradicional está ciente disso."
Hendry, que cita Robert Longo como uma "grande inspiração", disse que, durante alguns anos, ela "tentou descobrir como poderia virar o realismo de cabeça para baixo". Longo, que chegou ao circuito de arte no início da década de 1980, também desenha imagens fotorrealistas em preto e branco usando carvão vegetal. Suas imagens – de seres humanos dançando, planetas, uma explosão de bomba atômica, um tubarão –apontam para a imperfeição e a fugacidade da existência humana. Em outras palavras, ele virou o realismo de cabeça para baixo.
"Acho que o Instagram é uma boa plataforma para mostrar como você faz o que está fazendo", disse Hendry. "Mas os museus vão sempre existir. Há longevidade, há elegância e há algo muito formal e tradicional neles."
Por Alisha Haridasani Gupta