Quem nunca reparou, que repare agora: não há coisa mais comovente que o olhar de um cachorro.
Mesmo velhinho, um cachorro tem nos olhos a sinceridade e a expectativa que o tempo roubará ao olhar das crianças. Tudo num cachorro é devoção e confiança em seu dono - até a cauda, que é onde mora a alegria. Um cachorro não tem noção de sua própria existência: diante de um espelho, o que um cãozinho vê é apenas a imagem esvaziada de outro cãozinho. Cachorros não dissimulam, não querem ou pretendem o mal, porque não faz parte da natureza de bicho o que a gente conhece por maldade.
Jorge Luis Borges escreveu que o homem vive no tempo e na sucessão, enquanto o animal vive na atualidade do instante. Cachorros não têm, assim, noção de posteridade ou de futuro: o tempo dos animais é um eterno presente. Exceto pelas cachorrinhas que acabam de parir, os animais desconhecem parentesco, e a família de um cachorro é exatamente a família de seu dono. Cachorros não têm grandes angústias existenciais, não sabem se são pobres ou ricos. Cachorros não aprendem sobre o ciclo da vida e muito menos sabem que irão morrer - e talvez seja isso o mais comovente e nobre.
Por isso, quando mais um ano se inicia, peço em nome da inocência e da crença mais absoluta que um animal representa, que tenhamos piedade: não deixemos que se abandonem os bichinhos de estimação. Verão depois de verão, dezenas de cachorros são largados nas ruas e estradas, porque representam um estorvo para várias famílias de veranistas. O número de animais atropelados é uma desolação.
Por causa do amor que se tem por coisa viva, sugiro que, antes de se desfazer de seu animal de estimação, procure hospedagem, peça que algum parente ou amigo venha dar água e comida ou que abrigue o bichinho por uns tempos. Que se faça qualquer coisa, menos trair um ser que nem sabe o que trair significa.
Olhe nos olhos de seu cachorro e, quando a alegria de receber a atenção do dono se manifestar naquele rabo abanante, entenda a transcendência do que é vivo e que não merece traição.
Feliz 2016.