Dezembro tem a coincidência de duas festividades, uma cristã e uma judaica, Natal e Chanucá, respectivamente, ambas movidas pela mais espetacular expressão do poder divino: o milagre. Pessoalmente, sempre achei que o milagre concedido aos cristãos, o nascimento de uma criança fecundada por Deus em ventre humano, era muito mais grandioso do que o milagre proporcionado aos judeus, comemorado na festa de Chanucá (literalmente "inauguração") e que consistiu em fazer durar uma ânfora de azeite sete dias a mais do que ela duraria em condições normais.
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Para quem não conhece a festividade judaica, explico. Ali pelo ano 160 antes da era cristã, na retomada do Templo de Jerusalém - que havia sido ocupado por forças greco-sírias -, os macabeus, membros de uma família de devotos soldados, deveriam afastar todos os sinais de profanação do recinto. Precisavam, claro, de luz. Como todo o material do serviço religioso dos israelitas havia sido destruído, os macabeus encontraram somente uma anforazinha com óleo próprio para o candelabro ritual (a menorá). O óleo durou tempo suficiente para consertar os estragos. Por milagre.
Relacionando um milagre e outro, me parecia que Ele tinha errado na proporção. Se Deus podia ter feito nascer um filho de uma virgem, bem que ele podia, vamos dizer assim, providenciar um milagre mais prático para os judeus - algo como mandar, num estalar dos metafóricos dedos, que o templo estivesse purificado sem que os macabeus tivessem que ficar uma semana na faxina.
Só adulta pude entender que Deus deu exatamente o que deveria ser dado - a epifania é discreta e mora nas coisas pequeníssimas. Essa constatação, a de que Deus vive nos detalhes, me fez compreender por que os de minha tribo dizem que o Criador conta com a ajuda da gente para fazer seus milagres.
Que no ano que se inicia a gente possa entender o que nos está sendo dado, o que nos está sendo subtraído, o quanto subtraímos dos outros. E que sejamos abençoados com força e paz ao ponto de realizarmos nossos próprios milagres. Feliz tudo para todos.
Coluna
Cíntia Moscovich: milagres
A colunista escreve quinzenalmente no 2° caderno
Cíntia Moscovich
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