Entre a telúrica modinha Viola Quebrada, de 1928 (conhecida como a única música de Mário de Andrade), e a quase valsa Forasteiro, composta em 2010 pelos jovens Helio Flanders e Thiago Pethit, em seu décimo álbum, Soledade, Cida Moreira viaja por várias épocas e sensações da vida brasileira.O roteiro começa delicado, lírico, vai ganhando sombras e chega ao fim áspero, ruidoso, tenso como o Brasil de hoje.
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Como em todos os discos da cantora paulista, que em 2016 completará 35 anos de irretocável carreira, o ouvinte sai da audição habitado, recompensado pela qualidade - Cida é uma artista que, ao mesmo tempo em que exige atenção, produz trabalhos caracterizados pela fluência. Assim como foi meticulosamente escolhida, cada canção tem lugar certo no álbum para produzir o clima imaginado. A cantora atua sobre o repertório como se as composições fossem dela. E, pelo que se ouve, de fato são.
Soledade é uma perdida (e real) cidadezinha paraibana que serve de parábola para o Brasil que Cida observa. A doce ingenuidade de Moreninha (domínio público), com arranjo de viola e acordeão, se vê ante a aridez eletrônica do arranjo de Ricardo Severo para a contundente O Pulso, dos Titãs.
Bom Dia, bela e suave parceria de Gilberto Gil e Nana Caymmi (1967), tem contraponto no sarcástico rock A Última Voz do Brasil, do grupo Joelho de Porco (1985), guitarra distorcida, citação do Hino Nacional. Feito um Picolé no Sol, clássico de Nico Nicolaiewsky, só voz e piano de Cida, funciona como uma porta para o lado mais politicamente hard do CD e seu momento máximo, Construção, de Chico Buarque, em dramática versão de tango pelo arranjo de Arthur de Faria.
Músicos muito bons, como Omar Campos, ajudam Cida e seu parceiro Eduardo Magossi a fazer este trabalho de exceção no panorama da MPB - e que se encerra com um fio de esperança: um pequeno trecho da marcha-rancho As Pastorinhas.
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