Em uma área de criação tão coletiva quanto os videogames, destacar-se individualmente é quase impossível. Da mesma forma que no cinema, são raros os realizadores que conseguem colocar seu nome antes do título de um jogo. O japonês Hideo Kojima é um deles - ou era: após o lançamento do seu mais recente trabalho, Metal Gear Solid V - The Phantom Pain, ele rompeu com a gigante Konami e parece estar se despedindo deste panteão.
A explicação para o fim do casamento de quase 30 anos ainda é uma incógnita, mas especula-se que o problema tenha sido o, digamos, "excesso de personalidade" do sujeito. É possível: tal qual um Stanley Kubrick (1928 - 1999) dos videogames, nada escapava do controle de Kojima e tudo devia ser feito exatamente como o planejado, levando o tempo e o dinheiro que fossem necessários - The Phantom Pain demorou quase três anos para ficar pronto e custou em torno de US$ 80 milhões e até agora não deu o lucro que esperavam, o que explica alguma coisa.
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Sem a montanha de dinheiro que a gigante japonesa investia em seus projetos, fica a dúvida sobre como (ou se) Kojima irá dar continuidade à franquia. Talvez apele para o financiamento coletivo, como faz o ex-LucasArts Tim Schafer, outro produtor que virou referência para além dos jogos que produz.
Seja lá o que aguarda Kojima daqui para frente, seu legado é indiscutível e comparável, sim, aos grandes realizadores do cinema - não à toa, em sua conta no Twitter, ele diz que "70% do meu corpo é feito de filmes". Essa paixão pelo cinema explica parte da fama do japonês de 52 anos, mais da metade deles dedicados à franquia Metal Gear.
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Criada em 1986 para PCs (e hoje presente em todas as plataformas), a série virou referência especialmente na mistura de cinema com videogame. Kojima foi dos primeiros a apostar em longas cenas de ação e diálogos, obrigando o jogador a adotar uma postura passiva a que ele não estava acostumado - mas que também não tinha por que reclamar, dado o capricho com que o produtor apresentava.
Confira o vídeo de despedida de Kojima:
O pioneirismo e o cuidado com sequências cinematográficas por si só não explicam o sucesso de Kojima. Como bom artista japonês (tão japonês que nem inglês se preocupa em aprender, o maluco), ele desconhece limites que são tão caros para nós, ocidentais. Suspensão da descrença é mato no universo do sujeito e se você não entendeu, o problema não é dele. Jogar algum dos seus jogos é levar uma surra de referências - é Guerra Fria com horror japonês, conspiração nuclear com engenharia genética, hits pop dos anos 1980 com a invasão soviética ao Afeganistão.
Nas mãos de uma junta de arquitetos quaisquer de alguma grande produtora, essa mistura de temas seria um fracasso retumbante. Nas mãos de Kojima, transformou-se em uma igreja com milhões de fiéis que agora temem pelo futuro do seu profeta.
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