Em uma entrevista histórica, Ernest Hemingway contou a um repórter da Paris Review que reescreveu 39 vezes a última página de seu livro Adeus às Armas (A Farewell to Arms), centrado no romance entre um motorista de ambulância e uma enfermeira, durante a I Guerra Mundial.
Quando o jornalista George Plimpton perguntou ao autor de O Velho e o Mar por que ele perdeu tanto tempo com o fecho da história, se havia encontrado algum problema sério para resolver, sua resposta foi tão direta e econômica como seus textos:
- Estava procurando as palavras certas.
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Escritores, poetas e jornalistas, cada um na sua, catam palavras como esses desgarrados dos grandes centros urbanos reviram lixos em busca de objetos de valor. Nem todos somos perfeccionistas como o talentoso norte-americano ou como o nosso Machado de Assis, que definiu magistralmente o premonitório encontro dos vocábulos bem escolhidos:
- (As palavras) Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo.
Nos dias atuais, os casamentos tornam-se cada vez mais raros e já não são indissolúveis, tanto na vida real quanto na gramatical. A escrita digital comporta interjeições, símbolos criptográficos, carinhas e boquinhas, onomatopeias. Quando o escriba se preocupa com a ortografia, o corretor automático dá um jeito de interferir e grafa por conta própria o que lhe dá no algoritmo.
É verdade que nunca se escreveu tanto quanto nestes tempos digitalizados. Nem tão mal. Basta lembrar que o Enem do ano passado teve mais de 500 mil redações zeradas pela absoluta incapacidade dos candidatos de escreverem um mínimo de 30 linhas com coerência e sem fugir do tema proposto. Quando faltam as palavras é porque faltam também as ideias.
Por isso é tão importante, para quem tem a escrita por ofício, procurar de forma obsessiva aquela palavrinha única, que quer dizer exatamente aquilo que o nosso coração, mais do que o nosso cérebro, resolveu registrar.
A palavra certa, como escreveu um poeta, faz o mundo andar.