
Geralmente visto como um reduto da imigração europeia, o Rio Grande do Sul é pouco lembrado quando o assunto é escravidão. Engana-se, no entanto, quem não percebe o grau de miscigenação e o tamanho da herança cultural negra no Estado. Um pouco disso poderá ser visto no sensíveldocumentário Nas Margens do Riso: Quilombos de Alegria e Luta. O filme terá sua primeira exibição pública hoje, às 18h, no Auditório da Cesma. A entrada é gratuita.
Resultado de uma incursão do Teatro VagaMundo por nove comunidades quilombolas gaúchas, o filme apresenta uma realidade um tanto diferente, mesmo para quem nasceu e ainda vive por estas bandas. Com financiamento do Fundo de Apoio à Cultura do Estado, o projeto tinha entre seus objetivos discutir a situação desses territórios e, também, o próprio papel social do palhaço. Foram realizadas oficinas, intervenções culturais e apresentações de teatro, nos quais público e realizadores tiveram suas vidas tocadas pelos encontros, risos e afetuosos abraços mútuos.
O historiador e produtor cultural Atílio Alencar - que, junto ao ator Daniel Lucas, intérprete do palhaço Rabito, assina o roteiro do documentário -, explica que o filme não é um estudo aprofundado e, principalmente, não tem a pretensão de ser um retrato definitivo dos quilombos gaúchos.
- O documentário é apenas um recorte daquela vivência. A ideia é voltarmos às comunidades para exibi-lo. Achamos importante que eles se vejam. Eles são os protagonistas e não o palhaço - avalia Alencar.
Seu Aldo, um dos personagens do documentário, é memória viva de quem sofreu na pele os efeitos da segregação racial vivenciada pelos quilombolas. "Quando os negros iam comer uma laranja, tinham de pegar a fruta do chão, e não do pé", conta. Nesse cenário de pessoas humildes e sofridas, paredes coloridas por gravuras de "Rei Zumbi", e a quase inexistência de energia elétrica e saneamento básico, cabe aos pais a responsabilidade pelo empoderamento dos pequenos. "Foi-se o tempo disso", diz uma mãe, ao pedir aos filhos que não aceitem tratamento diferenciado em razão de sua cor da pele.
Tão essencial para o emocionante resultado quanto o olhar do diretor Pedro Krum, ao captar de forma sensível a interação de Rabito com crianças, adultos e idosos, foi o cuidado do VagaMundo na aproximação com os quilombolas. Conforme Daniel Lucas, mesmo que todas as apresentações tenham sido previamente autorizadas pelos próprios moradores, a relação do personagem com as comunidades foi construída, a passos lentos e muito silêncio.
- Estávamos "invadindo" a privacidade deles, então, antes, precisávamos entender como eles vivem, como se organizam. Chegamos a mexer em algumas cenas para não corrermos o risco de serem mal interpretadas - comenta o ator.
E foi assim, com extremo respeito, que Rabito superou desconfianças e levou a catarse do pequeno circo formado por apenas um palhaço e sua bicicleta àqueles descendentes de escravos que, ainda hoje, lutam para alcançar conquistas sociais e ser reconhecidos como parte fundamental da história do país. Como bem pontuou Alencar, "as raízes do Brasil são negras, orgulhosamente, negras".
Nas Margens do Riso: Quilombos de Alegria e Luta
Direção: Pedro Krum
Com: Daniel Lucas e Gabriela Amado
Classificação: livre
Quando: hoje, às 18h
Onde: Cesma (Rua Professor Braga, nº 55). Fone: (55) 3222 - 8544
Quanto: de graça