Guardadas as convenientes cautelas, é bom que se diga que Dona Eronides Freitas da Rosa era uma morocha de desnorteante beleza. Por ela, um desprevenido vivente largaria a família em plena noite de Natal. Como toda rosa, cravejava seus espinhos. Palavra zelosa para se referir aos adornos que acrescentava à fronte de seu esposo.
Seu marido, Sizenando Freitas da Rosa era um pacato proprietário resoluto de uma fazendola, daquelas de atravessar os campos a pé, sem carência de repouso. Era de conhecimento de todos que andejava pelos pagos, solitário e desgarrado, um jovem pacholento de nome Romualdo Travassos. Suas façanhas amorosas não tinham trancas nem travas.
Montado no potro do desejo, ele desconhecia porteiras e cancelas. "Só não dormiu com a sombra porque ela saiu de baixo", segundo o proverbial Capitão Caraguatá. No Rincão dos Aguapés era cochicho de carreiras e bolichos que o romanceio de Dona Eronides e Romualdo corria à rédea solta. As bocas da delação respingaram no ouvido de Seu Sizenando que o conquistador estava instalado nos altos galhos de uma mangueira de seu estendido pomar.
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Romualdo, tranquilito nomás, aperitivava afrodisíacas mangas, enquanto aguardava o momento para esbaldar-se em seu banquete amoroso. Seu Sizenando retirou o chapéu do cabide e deu sisudo conhecimento a mulher de que só voltaria ao anoitecer y hasta luego. Vagarosamente, encostou a condução sob a sombra de um cinamomo e rumou de volta à casa. Ao abrir a porta do quarto viu Romualdo arrebatado e voluptuoso, entregue com a voracidade de um guacho aos fartos seios de Dona Eronides. Tempo armado, o furibundo marido relampejou a faca e falou: "É agora! É agora que usted vai morrer, desgranido maldito. Vai morrer!"
Num vapt-vupt, Romualdo, adestrado em reboliços de cobertor, armou-se pela mão esquerda com uma ripa e com a direita apontou uma boca de fogo 38, lastreando seu revide: "Quem vai morrer? Quem vai morrer, seu guampa-torta?". Em rendição, o acabrunhado marido só pode revidar: "Usted vai morrer! Usted! Ou não sabe que comer manga com leite faz mal e mata! Será que não sabe? Pois tome conhecimento, seu atrevido...".
Coluna Pampianas
Luiz Coronel: a casada infiel
O colunista escreve mensalmente no 2º Caderno
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