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Sem fêmeas para acasalar, distante de machos para disputar território, ameaçada pela caça. Assim vive aquela que é considerada a última onça-pintada selvagem do Rio Grande do Sul, segundo estudiosos e ambientalistas.
Conhecido como Yaboti — nome que faz referência a uma reserva argentina, na fronteira com o RS — o animal é um macho, tem cerca de 10 anos e perambula entre o Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas, no noroeste gaúcho, último reduto da espécie no Estado, e florestas argentinas.
Conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (Sema), existe a possibilidade de que uma fêmea seja inserida no parque em um projeto de repovoamento de onças-pintadas no RS.
A onça-pintada (Panthera onca) está na lista de animais ameaçados de extinção. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o felino pode alcançar 2m70cm de comprimento, pesar entre 35 e 158 quilos e viver até 15 anos na natureza.
Ele está presente na maioria dos países do continente, mas o Brasil concentra a maior parcela da população.
Presença no RS
Informações sobre o tamanho da população da espécie no RS são escassas. Em 2016, segundo a Sema, a estimativa era de que havia "cinco ou seis onças pintadas no Estado, todas na área do Parque Estadual do Turvo".
Em 2018, outro material da secretaria indicava que estudos científicos realizados pela equipe do parque "identificaram que apenas quatro onças frequentam ou frequentaram o Turvo entre 2004 e 2017".
Um levantamento do Instituto Curicaca, que realiza trabalho de campo na região desde 2019, com pesquisadores do BiMa-Lab da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), identificou três indivíduos machos no parque em 2018; dois deles teriam sido alvos de caçadores entre 2019 e 2021, segundo o instituto. Desde então, apenas Yaboti é registrado nas armadilhas fotográficas instaladas no Turvo.
— Ele é extremamente solitário, não encontra outros machos para disputas territoriais nem fêmeas para acasalar. Mas mantém o espírito aventureiro, cruza o Rio Uruguai, às vezes se lançando no Salto do Yucumã. Passa cerca de três meses em cada país. Sempre volta ao Turvo, enfrentando os perigos dos caçadores, atraído pelas presas, como catetos, cervos, quatis, pacas e filhotes de anta — explica Letícia Bolzan, bióloga e analista ambiental do Instituto Curicaca.
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Segundo a estudiosa, o animal circula pelas estradas do parque. Mesmo sem outros machos competidores, urina para marcar território e se roça nos troncos das árvores, afia unhas e deixa marcas nelas. É um indivíduo considerado saudável.
— Na corrida natural da vida, ele estaria competindo e brigando por território com outros machos e seguindo fêmeas para reproduzir. O Yaboti há muito tempo não sabe o que é isso. Não sabemos quando deixou de coexistir com fêmeas, talvez a única que tenha conhecido seja sua mãe. Suspeitamos que ela tenha sido morta na Argentina, em 2019. Ele foi o único que sobrou — acrescenta.
Segundo Elisandro Oliveira dos Santos, médico veterinário especializado em animais silvestres e professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) de Canoas, a impossibilidade da manutenção da espécie é um dos principais prejuízos no fato de ele ser o único na região.
— O impacto de estar solitário não é grande porque (machos de onças-pintadas) são animais com essa característica. Eles encontram as fêmeas em eventos reprodutivos e posteriormente mantêm a sua vida solitária — explica.
Motivos do desaparecimento da espécie
Coordenador técnico e de políticas públicas do Instituto Curicaca, Alexandre Krob diz que a redução de onças-pintadas no Estado está relacionada a fatores históricos, como a exploração de madeira, ampliação de áreas agrícolas e caça.
— Um felino desse porte precisa das florestas para se deslocar. À medida que as florestas foram desmatadas, a onça também virou uma presa na forma de troféu. Há fotos antigas com caçadores posando com uma onça abatida, com a pele, o crânio. Ela perdeu seu espaço e foi perseguida. A população foi encolhendo, e os últimos indivíduos restaram no Turvo — comenta.
Conforme a Sema, não há registros de abates focados na onça-pintada nos últimos 40 anos no parque. Segundo o gestor do Turvo, Rafael Diel Schenkel, a reserva possui uma área aproximada de 18 mil hectares, o que, nas contas dele, permitiria a convivência de até três onças, "considerando as necessidades espaciais de cada animal".
Como evitar a extinção no RS
O fato de haver apenas uma onça-pintada não indica um “ponto de não retorno”: a presença de Yaboti indica que o ecossistema permite a sobrevivência, segundo o professor da Ulbra. Quando o felino morrer, em tese, a região poderá ser ocupada por outros indivíduos. Uma saída para evitar o desaparecimento do animal no parque é inserir uma onça-pintada fêmea no ambiente, mas existem ressalvas no método.
— Há a necessidade de avaliar a compatibilidade genética entre os indivíduos (a fêmea e Yaboti). O Turvo é uma unidade de conservação, e normalmente não se recomenda a introdução em um ecossistema que está, em tese, equilibrado. Mas nada adianta colocar um animal se o problema da caça não for resolvido — pondera Elisandro Oliveira dos Santos.
Em nota à reportagem, a Sema informou que desenvolve um projeto de repovoamento, que tem apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A instituição federal demonstrou interesse em fornecer uma fêmea para o programa de reprodução no parque. O andamento da iniciativa está “aguardando os estudos técnicos necessários, incluindo estudos de viabilidade e um estudo genômico, para o avanço do projeto”.
A secretaria informou que Yaboti é visto no parque desde 2017, e que a última aparição dele ocorreu em fevereiro deste ano (veja no vídeo acima).
Outras onças-pintadas no RS
O Estado tem seis onças-pintadas em zoológicos, conforme apuração feita por Zero Hora. São elas:
Zoológico de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana
- Mimosa (fêmea), 18 anos
- Cheetos (macho), oito anos
GramadoZoo, em Gramado, na Serra (sem nomes)
- Macho de onça-pintada, 18 anos
- Fêmea de onça-pintada, 15 anos
- Fêmea de onça-pintada melânica, oito anos
Zoológico de Cachoeira do Sul, na Região Central
- Brisa (fêmea), de 21 anos