A cena é conhecida. Algumas pessoas tentam conversar. Outras comem caladas. Outras gritam, envoltas pela falsa euforia da galera do escritório. Para uma pequena parte, há uma presença inconveniente que se debruça sobre as mesas e ali fica, encerrando assuntos, impondo-se, ordinária e eletrônica, às vozes limitadas em sua orgânica projeção. A cena é conhecida, vocês já a vivenciaram, talvez estejam nela imersos enquanto leem esta mesma crônica. Estamos em um restaurante, mas bem poderia ser uma casa noturna. Para conversar, é preciso vencer o trovão da música ambiente. Por alguma razão, gritar - em estranha competição - passou a fazer sentido como forma de conduta. Em algum foro da estupidez, decidiu-se que o silêncio e a comida são agora entes antagônicos. Nesse mesmo foro, decretou-se que o silêncio é uma ameaça às atividades humanas. As pessoas já não conseguem tolerar o silêncio, diz meu amigo Felipe Pimentel, e eu me lembro, de imediato, de duas expressões forjadas por Chuck Palahniuk no seu livro Cantiga de Ninar: "silenciofóbicos", "sonorólatras". As pessoas já não conseguem tolerar o silêncio em quaisquer circunstâncias.
Coluna
Pedro Gonzaga: O silêncio do silêncio
"O silêncio está para o som, assim como o esquecimento está para a memória"