Guitarristas de bandas de rock, quando decidem partir em carreira solo, não costumam arriscar: permanecem no rock e convidam vocalistas profissionais para cantar.
Não foi o caso de Guri Assis Brasil, que preferiu diminuir o volume de sua guitarra e botou a voz à prova em Quando Calou-se a Multidão, seu primeiro registro solitário.
Notabilizado como guitarrista das bandas Pública e Império de Lã, além de emprestar suas cordas para Otto, Lucas Silveira, China e Flu, Guri não teria, nem se quisesse, como abandonar o gênero em que se criou. Registrado em Porto Alegre em meados do ano passado, e concluído no primeiro semestre deste ano após uma bem-sucedida campanha de arrecadação de fundos via crowdfunding, Quando Calou-se... colocou o instrumentista a explorar outras possibilidades, buscar novas referências, deixando um pouco os pedais de lado e investindo em dedilhados. Mais melodia e menos distorção. Mais dias nublados dentro de casa e menos finais de semana na praia.
Tanto que Quando Calou-se... abre apropriadamente com Azul, a cor da melancolia, a nota do desalento. "Vá lá, me deixe", ele canta, com um fiapo de voz - que vacilante, algo insegura, não poderia ser mais adequada para um disco triste. Triste, mas não prostrado. Alerta Guri, na excelente Todos Meus Amigos Vão Me Ouvir Cantar, talvez a faixa mais pesada e que conta com a participação da Orquestra Brasileira de Música Jamaicana: "Não vá embora / Mas se for, é para nunca mais voltar".
É o mesmo espírito rocker, só que lidando com a perda, com o drama quase cotidiano do rompimento ainda latente - explícito em Ao Sul, com participação do cantor Pélico: "Acostumei os meus sapatos / a desviar daquela rua / que ainda não posso ir". Palermo, arranjada com cordas insolentes, permanece observando, de longe, a novela que está longe de terminar: "Vem, me faz saber que vivo ao teu redor / vem, me faz ouvir de ti que sou teu chão".
Quando Calou-se... sugere pouco romantismo - tratado com desconfiança e parcimônia por Guri em Nem Com Reza ("Mas já não há amor aqui / nem comprando") e na balada britpop Diz ("Diz aonde você foi parar / É onde o sonho nunca se desfaz? / Aqui o sonho nunca se desfez"). Mesmo com tanta melancolia, o otimismo encerra o disco na derradeira Deixe a Sorte Conduzir ("Até o mundo desistir / Até o sol desapagar / Tudo é possível se a gente / Deixar pra lá").