Desde que pratos de comida começaram a ser fotografados, e pés viraram um tema favorito, e shows foram desperdiçados em nome de mais um retrato tremido, minha relação com a fotografia ficou seriamente abalada. Todo mundo está tirando fotos mais para os outros do que para si mesmo, confesse. Gatinhos. Pôr do sol. Taças de espumante. Batom vermelho. Amigos no parque. Hiperdocumentação cansativa. O excesso mata até as coisas mais belas. É como ouvir cotidianamente sua banda preferida tocar no sistema de som do supermercado. Pelo amor à fotografia, portanto, eu me afastei desse universo maluco de compulsão pela imagem.
Mas devo dizer que meu interesse "sociológico" pelo assunto cresceu de maneira inversa à vontade de registrar tudo o que acontece comigo. Por exemplo, acho intrigante o modo como os avanços tecnológicos desestruturaram o tempo. Parece que tudo virou presente. Não me refiro somente ao fato de as fotografias terem se tornado instantâneas, mas sobretudo a uma certa obrigatoriedade de elas serem apreciadas, ou melhor,"curtidas", sem nenhuma demora. Estamos tão enredados nessa lógica que, se uma foto de Fulano na Espanha aparece de repente no Facebook, teremos certeza de que Fulano está curtindo o Mediterrâneo naquele exato momento. Esqueça tempo-necessário-para-organizar-um-álbum. Esqueça chamaramigos-e-mostrar-fotos-de-viagem. De qualquer maneira, ninguém está tão interessado assim nas suas férias do mês passado. Pfff, notícia velha.
Se, por um lado, tudo parece presente, por outro, o presente às vezes se transforma em passado com uma velocidade impressionante. Você está em uma festa e o que lhe interessa, mais do que o momento em si, é o registro do momento. Você perde o momento porque está registrando o momento para a posteridade (isso é gritante em shows e aparições repentinas de bolos de aniversário). O que é isso, uma nostalgia precoce? Não vou nem entrar na discussão dos filtros envelhecidos do Instagram porque isso já foi analisado à exaustão. Todo mundo quer ser como papai e mamãe naquela velha foto azulada.
Mas quando, de fato, a gente volta a olhar essas fotos? São tantas, e tão desorganizadas, e tão escondidinhas numa pasta qualquer, que a saudade verdadeira, essa que chega no tempo certo, fica quase inviável.
Coluna
Carol Bensimon: as fotos que esquecemos
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