Bertolt Brecht, o escritor alemão, ensinou que o analfabeto político é o pior analfabeto, pois, ao encher o peito para dizer que odeia política, ele ignora que o custo de vida e o preço dos bens de consumo, assim como a condição social de cada indivíduo, dependem de decisões políticas. David Coimbra, pensador do IAPI e vizinho destas páginas, escreveu outro dia que os políticos brasileiros, tão criticados, representam fielmente nossa sociedade, em especial as pessoas desonestas e egoístas, que furam fila, jogam lixo na rua e cometem falcatruas.
Concordo com os dois. Mas fico pensando se não existe também uma parcela expressiva de pessoas decentes e bem-intencionadas, que deveriam estar representadas nos parlamentos, nos governos e em todas as instâncias da administração pública. Estão? Claro que há bons parlamentares, bons governantes e servidores íntegros, mas a impressão é de que os ruins são maioria. Por conta disso, Brasília virou sinônimo de safadeza - uma evidente injustiça para a cidade e para muitos de seus habitantes.
É tentador pensar que os outros é que são o inferno, como ironizou o filósofo Sartre. Porém, por mais que os rejeitemos, os políticos nos representam, sim. Ainda que a contragosto, me sinto representado por todos os que estão investidos de mandato, mesmo aqueles que não foram eleitos pelo meu voto. A democracia funciona assim: se você não vota ou se seu candidato não se elege, a sua representação passa a ser feita por alguém que outros escolheram. Aí está o grande equívoco do personagem de Brecht: ao não votar, ele passa uma procuração informal para que outros escolham em seu nome.
Devemos, então, nos conformar com "tudo isso que está aí", para ficarmos com a linguagem dos manifestantes? Penso que não. Temos é que qualificar as nossa representação. Se, para isso, precisarmos qualificar primeiro a nós mesmos, vamos a essa tarefa. Tudo indica que já temos massa crítica suficiente para começar o trabalho. Não é possível que toda aquela gente que saiu às ruas para pedir honestidade não a pratique. Seríamos uma população de hipócritas? Certamente, não. Só temos que acertar essa sintonia. Quanto mais gente consciente, bem-informada, questionadora e participativa no andar de baixo, menos corruptos no andar de cima. Quanto menos analfabetos políticos, mais políticos comprometidos com as boas causas.
Eles nos representam, sim. Mas passaram a nos representar um pouco melhor depois de ouvir a voz rouca das ruas. E ainda podem melhorar muito.