O país em convulsão, e eu aqui preocupado com poesia, ou com os percalços dela. Nesses dias em que as ruas pareciam mais intensas do que a arte, fui conferir as Narrativas Poéticas, no Santander Cultural, em Porto Alegre. A exposição, em cartaz até meados de julho, combina a produção de pintores, gravadores e escultores brasileiros com a de grandes poetas nacionais (Cabral, Bandeira, Drummond). Os textos percorrem tanto as paredes quanto o chão do palacete. Enfeixam, hipoteticamente, um laço com as imagens. As imagens, embora incluam algumas poucas peças contemporâneas, bem recentes, privilegiam antes de tudo a moderna pintura brasileira, a pintura do século 20. É quase como um breve panorama: Di Cavalcanti, Portinari, dois bons Iberês, lindos Ianellis, uma forte composição de Rubem Ludolf, a impecável xilogravura de Samico. Todos os itens pertencem ao acervo do banco Santander. Surpreendeu-me ali a presença de quatro Manabus Mabes. Nunca simpatizei muito com a obra do pintor nipo-paulista, falecido em 1997, aos 73 anos. Sempre me pareceu um artista mais de efeitos do que de pesquisa ou experimentação. Sua combinação de cores, segundo acredito, não se faz com intensidade nem com elegância. Na composição, tudo se arranja para soar potente, mas, em mim pelo menos, não desperta maior emoção. O problema, enfim, talvez seja mais meu do que dele. Mabe foi um artista amplamente reconhecido e festejado, premiado ainda jovem na 2ª Bienal de São Paulo, em 1953.
Acho mesmo que minha impressão, nesse caso, não importa (ainda mais nesses tempos de tantas opiniões, tão fartas e tão baratas). Na visita ao Santander, o que me surpreendeu de verdade foi que eu já havia esquecido Manabu Mabe. Não lembrava mais desse artista. A mera existência de sua obra, o reencontro com ela, pareceu-me extraordinário. Me explico melhor: não há como esquecer Volpi, por exemplo; não há como esquecer Pancetti; impossível não lembrar de Piza - todos eles artistas modernos, do século 20, e bem representados em Narrativas Poéticas. Mas eu havia esquecido Manabu Mabe, e talvez isso não tenha a ver necessariamente com meu pouco apreço por ele.
Contam os historiadores da arte que Rafael Sanzio chegou a ser saudado como o maior pintor do Renascimento, maior que Leonardo e Michelangelo. Depois virou um mero "pintor de madonas". Precisou que o século 20, que destruiu tantos mitos, viesse reabilitá-lo. Assim são os caminhos da arte: um artista de grande glória pode ser desacreditado no futuro e, quem sabe ainda mais adiante, recuperado. Outros nem isso. Talvez o nosso tempo, 15 anos depois da morte de Mabe, esteja meio imune às cores do artista - ou vai ver que sou só eu que ando meio esquecido.