Nova York - Aqui, nesta parte do mundo, não se presta muita atenção na África - a menos que haja notícias ruins. Mas na Bienal de Veneza, seis anos atrás, ela foi objeto de milhares de olhares deslumbrados com sua beleza, mesmo que alguns desses olhares não soubessem, a princípio, o que estavam vendo.
Um dos pontos mais populares da exposição era uma imensa e leve chapa, flutuante e ondulante, do chão ao teto, bem no final da principal sala da Bienal - a longa e cavernosa Arsenale. Em uma cidade de mosaicos, poderia bem ter sido vista como um supermosaico, incrustado com prata e ouro, ou uma fabulosa tapeçaria com fios de ouro, com a superfície marcada por pregas e dobras cintilantes.
A distância fazia diferença para quem tentava compreendê-la. Quando a pessoa se aproximava, via que a grande peça brilhante havia sido montada a partir de inúmeras pequenas partes: peças de metal colorido comprimido e torcido em tiras, quadrados, círculos e rosetas, ligadas entre si, como uma cota de malha, com pedaços de fio de cobre.
Chegando ainda mais perto, muito perto, o visitante enxergaria as palavras impressas em algumas das sucatas de metal: Bakassi, Chelsea, Dark Sailor, Ebeano, King Solomon, Makossa, Top Squad.
Algumas delas soavam estranhas, não europeias. Assim como o nome do artista: El Anatsui. Era difícil situar a sua origem geográfica a partir de seu nome, mas já dava para pensar que ele não vinha das capitais artísticas mais tradicionais do mundo. Talvez fosse de Gana. Ou seria da Nigéria?
Tais informações alteravam a percepção de qualquer um. De repente, naquela grande e levíssima chapa, o visitante enxergava a África, não a Europa; o tecido kente, não a tapeçaria barroca. Aquelas peças de metal que pareciam materiais de sucata se tornaram cheias de significado. Os clichês se encaixaram e indicaram um lugar: a África e a sua associação com a reciclagem. E uma arte que, um momento atrás, era simplesmente pura beleza, tornava-se exótica e misteriosa.
O mistério não estava tanto na própria obra de arte, mas na política cultural ocidental que a rodeia. Como, ao contrário de tudo o que seria de se esperar, uma peça de um artista africano se tornaria a peça central da mostra mais prestigiada do mundo contemporâneo? Ao longo da história, os artistas negros da África conseguiram atenção em uma escala internacional apenas quando moraram e trabalharam fora do continente. E então, paradoxalmente, sua arte era apreciada na medida em que divulgava a africanidade. A "tour de force" veneziana de Anatsui não correspondia a nenhum desses critérios.
Agora, seis anos depois, com a exposição retrospectiva "Gravidade e graça: obras monumentais de El Anatsui", que estreou em fevereiro no Museu do Brooklyn, em Nova York, mais pessoas podem ficar surpresas com toda essa repercussão. Mas o tempo fez diferença. A arte de Anatsui tem estado presente em importantes coleções públicas. Livros foram escritos. (O melhor deles é "El Anatsui: Arte e vida", de Susan Mullin Vogel). Filmes foram feitos. Sabemos muito mais sobre ele hoje.
Ele nasceu em 1944 em Gana, que na época era a colônia britânica da Costa do Ouro. Seu pai era pescador e mestre tecelão do tecido kente, uma habilidade que Anatsui nunca veio a aprender.
Em vez disso, ele estudou arte no ensino médio e em programas universitários concebidos de acordo com modelos britânicos e ministrados por professores europeus. Ao mesmo tempo, fez um esforço para mergulhar nas tradições locais de Gana. "Quando larguei a escola de arte, a minha ideia era tentar me indigenizar - inserir um pouco do material nativo na minha psique", disse ele certa vez a um entrevistador. E seu primeiro trabalho como artista profissional, no início da década de 1970, foi literalmente local.
Tratava-se de uma série de peças de parede feitas de bandejas expositoras de madeira coletadas em mercados da cidade. Na superfície de cada bandeja, usando barras quentes de ferro, ele gravou símbolos gráficos vindos de tecidos de Gana, símbolos da mitologia e da memória. Vistos em um contexto ocidental, os resultados pareciam abstratos; na África, tinham um significado específico. A combinação entre a utilidade e um aparente ornamentalismo respondia aos valores estéticos de duas culturas diferentes.
A série também firmou atributos que caracterizariam boa parte de sua produção futura: a utilização dos meios que estão à mão, a portabilidade e a abstração. Havia certa dose de humor. Os feirantes devem ter se divertido vendo simples bandejas de frutas antigas tão elevadas. E, no que se caracterizava fundamentalmente como arte conceitual, existiam dimensões sociais e espirituais. As bandejas, originalmente, tinham comida, o que implicava associações com ideias de abundância, desejo e generosidade. Os tecidos dos quais vieram os símbolos gráficos costumavam ser usados para preparar roupas para funerais.
Em 1975, Anatsui foi convidado a dar aulas de escultura na Universidade da Nigéria, na cidade de Nsukka. Ela se tornou seu novo lar. É lá que o artista mora até hoje: uma comunidade viva, estimulante e criativa, de onde vêm também os influentes pintores Uche Okeke e Chike Aniakor.
Logo após chegar à cidade, Anatsui começou a fazer esculturas de cerâmica que lembravam vasos tradicionais, mas em versões quebradas e remendadas, cheias de traços serpentiformes, que remetiam a um estado de ebulição: objetos ferozes, agitados, em desintegração, ecos de seu próprio momento de mudança de cidade, ou de uma África pós-colonial que adentrava tempos difíceis e decepcionantes.
O sentimento de turbulência continuou quando ele voltou a utilizar a madeira como meio de expressão. Em 1980, durante uma residência na Comunidade Cummington, em Massachusetts, usou ferramentas elétricas - brocas e serras a motor - para criar a escultura. De volta a Nsukka, consolidou um estilo rebelde, às vezes brutal, de goivagem e corte. E, como no caso dos vasos, demonstrou gosto especial pela fragmentação, em esculturas com relevo compostas por vários painéis separados, com o propósito de serem combinados e recombinados aleatoriamente.
Na década de 1980, Anatsui se tornava cada vez mais conhecido na África. Trabalhava sem parar e era muito prolífico, transitando entre meios de expressão de modo experimental e combinando cada um deles de maneiras pouco comuns aos seus pares. O multiculturalismo estava em voga no Ocidente, e em 1990, quando o Studio Museum do Harlem, em Nova York, enviou curadores para a Nigéria a fim de visitar a exposição "Artistas africanos contemporâneos: uma tradição dinâmica", Anatsui foi o mais badalado da lista.
Cinco artistas dessa exposição foram escolhidos para a Bienal de Veneza de 1990. Anatsui era um deles. A ocasião foi histórica, pois foi a primeira vez que artistas subsaarianos participaram da mostra de Veneza. A sua arte não apenas foi vista em um fórum internacional; Anatsui também passou a integrar o que o mercado europeu-americano estava promovendo naquele momento, particularmente favorável às instalações.
Dentro de alguns anos, sua carreira, já muito apreciada na África, começou a rumar para o exterior. Em 1995, um negociante de Londres, que tinha assistido a um vídeo dele esculpindo com uma serra elétrica, se ofereceu para organizar uma exposição que coincidia com a realização do revolucionário festival Africa '95 na cidade. No mesmo ano, uma exposição individual de Anatsui viajou por museus do Japão. Além disso, em 1996, em Nova York, o negociante Skoto Aghahowa, com a intenção de situar a nova arte africana em um contexto global, realizou uma exposição conjunta de Anatsui e LeWitt.
1998 marcou um ponto de ruptura - ou o início de uma virada. Foi quando Anatsui inventou uma nova forma de arte em Nsukka. Um dia, por conta própria, enquanto vasculhava materiais para esculpir, pegou um saco de lixo cheio de tampas de garrafas de bebidas de um tipo fabricado por destilarias nigerianas. Embora tenha levado algum tempo para se dar conta disso, Anatsui havia acabado de encontrar seu material ideal: produzido no local, suprido imediatamente e com uma carga cultural.
O licor havia chegado à África por meio do colonialismo. A produção de rum impulsionou o comércio transatlântico de escravos. Mais tarde, a África tomou para si a produção do ambivalente produto originário da Europa. E a história de tudo isso ficou registrada, de forma abreviada, nos nomes de marcas das tampas de garrafas: Bakassi, Chelsea, Dark Sailor, Ebeano.
Além disso, o fato de que o metal é um material que salta aos olhos foi crucial. As cores - tons de vermelho, amarelo, prata, dourado - eram vivas e brilhantes. E era fácil manipulá-lo, esmagá-lo, amassá-lo, dobrá-lo, como indica o título de "Fold Crumple Crush", documentário sobre Anatsui feito em 2011 por Vogel, professora e ex-curadora de arte e arquitetura africana da Universidade de Columbia.
Finalmente, as tampas das garrafas deram conta do crescente interesse de Anatsui em expandir a escala de sua arte. Achatadas, torcidas, cortadas em círculos e perfuradas, as tampas podiam ser conectadas na forma de painéis ou blocos, que se formavam de modo a dar origem a chapas flexíveis, que lembram tecidos, todas feitas de fragmentos, e com potencial para serem infinitamente expansíveis.
- Quando comecei a trabalhar com as tampas de garrafa, pensei que faria algumas poucas coisas com elas, mas as possibilidades não pararam de surgir - disse ele recentemente, durante uma viagem aos Estados Unidos.
O trabalho envolvido era árduo, mas desenvolvido juntamente a outras pessoas, levando três etapas. Funcionários do seu ateliê em Nsukka faziam os primeiros blocos. Anatsui determinava a configuração dos blocos em peças de maior dimensão. Quem instalasse a peça já acabada podia pendurá-la e armá-la como quisesse. Não havia uma única maneira de fazê-lo; nenhuma maneira era permanente.
E quando uma peça, não importa quão grande, caía, podia ser dobrada para caber no equivalente a uma mala ou baú.
Certamente não é por acaso que o nome da nova exposição, que é também o título de deslumbrante obra de 2009, vem da filósofa francesa Simone Weil (1909-1943). Weil foi uma ativista tanto social quanto espiritual, e a arte de Anatsui pode ser considerada nesses termos. Sua obra é proeminentemente pública, mostrando sutilmente suas opiniões.
Anatsui quer começar a produzir obras de arte para expor ao ar livre no futuro; ele irá realizar uma instalação no exterior da Academia Real, em Londres, no próximo semestre, além de outra em Amsterdã. Fazer peças grandes, mas leves, cada vez mais leves: eis o seu objetivo. - Busco alcançar a leveza plena - disse ele.
Seria essa arte tão leve africana? Ocidental?
Nenhuma das duas opções. Ou melhor, ambas, de maneiras que fazem com que essas categorias sejam expansivas, e não redutoras. A arte de Anatsui ficará lembrada como a de alguém que, por meio de uma combinação entre seu próprio brilhantismo e trabalho duro e as circunstâncias - os mesmos fatores que moldam as mais importantes carreiras artísticas - se tornou uma estrela mundial, alcançando esse status sem deixar de trabalhar em casa e encontrando uma enorme e modesta beleza lá mesmo: uma beleza que espalha em toda parte.
The New York Times
Ganês vira estrela da arte global
El Anatsui ganhou destaque em todo mundo mantendo a África como coração de seu trabalho
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