Robert Plant é dois. Um é o cantor de 64 anos que se apresenta hoje em Porto Alegre, no Gigantinho, resumindo quase 50 anos de trajetória musical. Outro é o mítico vocalista do Led Zeppelin, um dos símbolos máximos da glória do rock'n'roll, um ídolo cuja aura irá acompanhar para sempre o Plant real que os porto-alegrenses verão esta noite.
A relação entre esses dois personagens será o motor da apresentação desta noite. A começar pelo visual do palco - no fundo do cenário, um pano com estampas coloridas apresenta, em destaque, o rosto do Plant jovem. É a imagem do garoto cabeludo que, graças a uma voz marcante e potente, tornou-se vocalista de uma das maiores bandas da história. A bordo do Led Zeppelin, Plant ajudou a inaugurar a era dos excessos no rock - excesso de volume, de fama, de drogas, de hedonismo. O atestado sonoro disso tudo são os nove discos de estúdio deixados pelo grupo - canções magistrais como Whole Lotta Love, Stairway to Heaven, Black Dog, Rock and Roll, In My Time of Dying e Kashmir são só alguns exemplos.
Hoje, 32 anos depois do fim da banda, Plant conserva a cabeleira, mas está longe de ser o anjo andrógino de outrora. Tampouco sua voz tem força para igualar os bombásticos agudos que lhe deram tanta fama. Em uma carreira solo de nove álbuns - excluindo-se aí as colaborações pós-Led com o guitarrista Jimmy Page -, Plant conseguiu partir da herança zeppeliniana para conquistar novos terrenos. Uniu sua paixão primordial por blues e folk a um crescente interesse pela psicodelia e pelas experimentações com sonoridades do Oriente Médio e da África. Uma fórmula que tem suas melhores expressões em álbuns mais recentes, como Dreamland (2002), Mighty ReArranger (2005) e Band of Joy (2010) - este último, misteriosamente, é pouco visitado na turnê atual.
Será esse o espírito da apresentação de hoje, mesmo que metade do repertório de Plant e seus Sensational Space Shifters seja de clássicos dos tempos do Led. Não espere ouvir o cabeludo de 20 e poucos anos - esse, como uma fotografia no fundo do cenário, permanece e deve permanecer um mito.
As canções | O provável repertório da noite desta segunda-feira:
Tin Pan Valley - do disco Mighty ReArranger (2005), propõe uma abertura dramática, mas logo abre espaço para ataques a la Led
Another Tribe - do mesmo álbum, investe mais nos timbres exóticos de teclados e percussão
Friends - o primeiro Led do roteiro, pinçado do repertório acústico do LP Led Zeppelin III (1970)
Spoonful - clássico blueseiro de Willie Dixon, em versão de alto teor psicodélico
Somebody Knocking - outra canção de Mighty ReArranger, com destaque para o africano Juldeh Camara e seu violino. Clima viajandão
Black Dog - leitura radicalmente diferente da do Led Zeppelin, onde praticamente só o vocal e a letra são reconhecíveis. Curiosidade
Song to the Siren - gravada por Plant no disco Dreamland (2002), é um belo cover de Tim Buckley
Bron-Y-Aur Stomp - talvez a canção mais bem-humorada do Led Zeppelin, é uma pequena festa acústica
The Enchanter - uma síntese do Plant de 2012, unindo blues, psicodelia e toques orientais. Também do repertório de Mighty ReArranger
Gallows Pole - novamente o Led Zeppelin III: folk temperado com exotismo
Ramble On - do disco Led II (1969), mas com pegada bem mais leve e tranquila que no original
Fixin' to Die - outro blues das antigas, de Bukka White, relida por Plant em Dreamland
Whole Lotta Love - versão mais suingada, com temperos exóticos, mas com um pouco dos agudos característicos do vocalista
Going to California - hino acústico do álbum Led Zeppelin IV (1971), tem tudo para ser um dos mais belos momentos da noite
Rock and Roll - final apoteótico, em que Plant já não poupa a voz e revive um pouco de sua glória vocal setentista