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Os mineiros foram para o mar: o Grupo Corpo traz a Porto Alegre o balé Sem Mim, inspirado em um cancioneiro medieval sobre amores separados pelo oceano.
As apresentações sábado e domingo, no Teatro do Sesi, incluem uma das mais celebradas coreografias da melhor companhia de dança contemporânea do Brasil: Benguelê (1998).
O novo bailado que o Grupo Corpo vem dançar neste final de semana (confira o serviço na Agenda) estreou em São Paulo em agosto de 2011. A companhia vai apresentar também Benguelê, peça musicada por João Bosco que celebra as raízes africanas na cultura brasileira e que o grupo não mostrava no país há nove anos. Já Sem Mim teve origem além-mar: o instrumentista e compositor português Carlos Núñez apresentou primeiro ao músico brasileiro José Miguel Wisnik as "cantigas de amigo" do trovador galego Martín Codax. O chamado "ciclo do mar de Vigo" reúne sete canções do século 13, em que o poeta pronuncia-se sempre em nome da mulher - mais especificamente, de jovens apaixonadas que pranteiam a ausência ou festejam a iminência do regresso do amado-amigo. Na avidez do reencontro, elas confidenciam ora com o mar, ora com a mãe, ora com amigas - e, para aplacar ou fustigar o desejo, saem a banhar-se nas ondas do mar.
- O Zé Miguel nos mostrou essas canções e adoramos! As músicas são todas cantadas em galego, com exceção de uma, que é uma adaptação livre para o português feita pelo Zé. Mas o tratamento que ele e o Carlos Núñez deram foi de música popular brasileira - diz o coreógrafo Rodrigo Pederneiras, em entrevista por telefone desde Belo Horizonte.
Considerado o "Jimi Hendrix da gaita de foles", o galego Núñez adaptou as cantigas do conterrâneo viguês Codax com Wisnik - autor das trilhas de outras três obras memoráveis do Corpo: Nazareth (1993), Parabelo (1997, com Tom Zé) e Onqotô (2005, com Caetano Veloso).
- Buscamos ritmos que tivessem pontos em comum entre essas diferentes culturas e tempos: a alvorada galega com o lundu afro-brasileiro, por exemplo - ilustra Pederneiras, lembrando que as canções são interpretadas por Milton Nascimento, Chico Buarque, Mônica Salmaso, Jussara Silveira, Ná Ozzetti, Rita Ribeiro e pelo próprio Wisnik, acompanhados por grupos tradicionais como as pandereteiras galegas da Asociación Xuvenil Xiradela e as Caixeiras do Divino, do Maranhão.
Sem Mim reúne novamente o trio criativo responsável pela projeção internacional do grupo criado em 1975 na capital mineira: além do coreógrafo, seu irmão Paulo Pederneiras (diretor artístico, cenógrafo e iluminador) e Freusa Zechmeister (figurinista). Paulo utilizou uma trama sintética, fabricada para o sombreamento de culturas agrícolas, a fim de criar um cenário que vai se metamorfoseando ao longo do espetáculo - transfigurando-se em mar, montanhas, nuvens, barco e rede de pesca -, enquanto Freusa criou malhas tingidas de acordo com a cor da pele de cada bailarino, dando a impressão de que a "nudez" dos corpos está coberta só por tatuagens.
- O mar é o veículo que leva e traz a felicidade. Coreograficamente, tentei criar um balé mais feminino, talvez seja o mais delicado que já fiz. Quis fugir do óbvio e evitei os movimentos ondulados de braços como ondas. Não foi fácil, mas consegui fazer esses movimentos de marés só com o tratamento espacial da cena - explica Rodrigo Pederneiras.