Desde o lançamento do álbum Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, em 2023, Ana Frango Elétrico, 27 anos, tem despontado no cenário da música brasileira. O sucesso do projeto, que teve show em Porto Alegre antes de partir em turnê internacional, pode ser encarado como resultado de uma longa trajetória.
Já são 10 anos de dedicação para a música, período no qual Ana Frango Elétrico estudou na Escola de Música Villa-Lobos, se envolveu na produção de projetos de outros artistas e lançou três álbuns e seis EPs (extend play, formato que tem poucas faixas e menos de 30 minutos de duração). Essas fases trouxeram consigo seus variados ensinamentos:
— Quanto mais gente me conhece, mais gente gosta e desgosta. Cada etapa da minha carreira é um novo aprendizado pessoal e profissional — avalia.
Recentemente, o aprendizado não foi necessariamente sobre música, mas sim sobre exposição. No início de janeiro de 2025, o clipe da música Mormaço Queima, lançada em 2018, se tornou viral nas redes sociais.
A produção recebeu críticas e elogios, e colocou Ana Frango Elétrico em um lugar de visibilidade inédito, que destaca que lidar com tamanha e inesperada repercussão não foi uma tarefa simples.
— Não gosto de fama, nem de exposição. Desconfio cada vez mais das redes sociais como lugares perigosos, não me sinto bem — afirma. — Acredito na internet porque eu aprendi quase tudo que sei na internet. Descobri músicas e ídolos, maneiras de gravar, microfones, artistas e coisas práticas da minha vida. Mas acho o like e o hate perigosos.
Com um foco cada vez maior em criar sonoridades que sejam artisticamente desafiadoras e contrastantes entre si, Ana Frango Elétrico considera que seu processo de criação se tornou mais prazeroso com o passar do tempo, e que a unidade em seu trabalho é, essencialmente, a mudança:
— A longo prazo, imagino que o grande alicerce seja as diferenças entre os discos da minha discografia.
Confira a entrevista completa com Ana Frango Elétrico
Seu álbum mais recente, o Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, foi lançado em outubro de 2023, e, mesmo um ano depois, tem se tornado progressivamente mais popular. Como se sentiu com a recepção do público ao projeto?
Procuro sempre agradecer a generosidade e prosperidade em minha vida, as pessoas ouvindo meu trabalho e me possibilitando viver de arte, da minha criatividade, é algo muito estimulante. Em dezembro de 2024 fui tocar em Fortaleza, no Solar Foto Festival, e não esperava que aquela quantidade de pessoas me conhecesse!
O show teve ingressos gratuitos, aconteceu em um aparelho público, uma antiga estação de trem, hoje um complexo cultural — esse seria o sonho de sempre! Agora, quanto mais gente me conhece, mais gente gosta e desgosta. Cada etapa da minha carreira é um novo aprendizado pessoal e profissional.
Acredita que seu trabalho dialoga mais com a geração Z, ou sente que em função de referências um pouco mais antigas, como álbuns da Tropicália, o público mais velho também recebe bem as músicas?
Sempre achei que seria um público mais jovem, mas cada vez mais sinto que pessoas de várias gerações se afetam com as músicas. Talvez por conta desse trabalho relacionado à nostalgia e texturas de outras décadas.
Ao compor uma música, qual costuma ser seu maior objetivo, onde costuma prestar mais atenção: na letra, na batida, na sensação que deseja transmitir? Como é o seu processo de criação?
Comecei a compor com 16 anos. De lá pra cá muita coisa mudou. No começo, meu processo se dava principalmente em relação à poesia, às vezes dadaísta, às vezes não. Não tinha compromisso com uma música comercial, com o cantar. Gostava mais de incomodar meus ouvidos. Era um processo mais gráfico para mim do que sonoro. Sinto meu primeiro álbum como um trabalho de um estudante de pintura.
Hoje em dia entendo essa aversão a me tornar uma "cantora brasileira" como inquietações relacionadas a gênero, e sinto que quando compreendi melhor essas inquietações, fiquei de alguma forma mais livre e mais comportado, criei gosto e amor no gravar, posicionar microfones, criar próteses para minhas orelhas, misturar texturas.
Sinto que hoje em dia, tenho meus pés fincados em referências e pesquisas que são fonográficas. Nunca toquei nada de forma surpreendente. Sinto que na música nunca tive um talento extraordinário em absolutamente nada, apesar de tocar um pouco várias coisas e ter algum nível de facilidade em aprendê-las.
Talvez daí tenha surgido um interesse na produção musical, num lugar onde consigo olhar música de forma distante, estética, num lugar de direção próximo a um diretor de teatro, de cinema. Então, meu processo hoje em dia se dá muito no que quero produzir.
Mas como compositor, onde sinto que é um ofício que não pratico mais com tanta veemência, continuo gostando de recorrer a escritos e poesias da vida ordinária. Costumo me entediar nos meus processos, e como consequência tento me desafiar e romper barreiras pessoais, contrastar meus próprios trabalhos.
Recentemente, o vídeo de Mormaço Queima se tornou um viral. Como você enxerga esse trabalho de 2018 agora, e como tem lidado com a notoriedade que o clipe ganhou?
Com dificuldade. Não gosto de fama, nem de exposição. Desconfio cada vez mais das redes sociais como lugares perigosos, não me sinto bem. Lugares que se beneficiam tanto de fake news, empresas neoliberais…
Acredito na internet porque eu aprendi quase tudo que sei na internet. Descobri músicas e ídolos, maneiras de gravar, microfones, artistas e coisas práticas da minha vida. Mas acho o like e o hate perigosos.
Ainda sobre o Mormaço Queima, quais você acredita serem as principais diferenças entre esse álbum, que você definiu em entrevista dada em 2024 como um conjunto de "músicas meio doidas" e o Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, e o que motivou essas mudanças?
Acho que são muito diferentes, com muitas diferenças gritantes, talvez principalmente em relação às minhas interpretações, mas tem coisas em comum também.
Desde o começo, gostava de mudanças bruscas e até estilísticas dentro da própria música, saltos grandes, dobras de instrumentos, coros, melodias repetitivas, metalofone. Mas, a longo prazo, imagino que o grande alicerce seja as diferenças entre os discos da minha discografia.
O Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua teve turnê internacional. Como foi a recepção do público fora do Brasil ao seu trabalho, existe muita diferença em relação ao público nacional?
Sinto que a cada público, eu tenho que me adaptar. Os aprendizados se dão de cidade para cidade, dentro e fora do país: onde é o show, como o som do público e do palco se relacionam, como isso retorna pra mim.
Cada show é um aprendizado. Sobre tocar lá fora, sinto que é como voltar a momentos anteriores da minha carreira aqui no Brasil, em termos de público, estrutura… É como se começasse de novo por lá.
Nas suas apresentações em Porto Alegre, como foi a experiência, o que achou do público e da cidade?
Fui tocar pela primeira vez em Porto Alegre, no Agulha, abrindo para Ava Rocha no final de 2018. Fui me apresentar de voz e guitarra, como me apresentei muito no começo da minha carreira, e depois toquei de novo no Agulha com uma banda reduzida do meu segundo disco, o Little Electric Chicken Heart.
Para mim, é uma experiência muito interessante tocar hoje em dia em lugares que pude tocar nesse começo, sinto que deixa a experiência da vivência do crescimento do trabalho muito gritante e emocionante. Quando fui em 2023 lançar o MCGQESS (Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua) no Opinião foi um dos melhores shows que já fiz, digo, da minha sensação de estar no palco. O público foi fantástico!
*Produção: Maria Fernanda Freire