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Os primeiros versos da primeira faixa, Monólogo ao Pé do Ouvido, já indicavam o que Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ) promoviam em Da Lama ao Caos: “Modernizar o passado é uma evolução musical”. Lançado em 9 de abril de 1994, o álbum da banda pernambucana é um dos trabalhos mais influentes e aclamados da história da música brasileira.
Para se ter ideia, Da Lama ao Caos foi eleito o melhor disco já feito no Brasil nos últimos 40 anos, conforme enquete feita pelo jornal O Globo em 2022 com 25 especialistas de todo o país. Já na lista dos cem maiores discos nacionais da Rolling Stone Brasil, de 2007, ocupa a 13ª posição.
É justamente esse álbum que será celebrado no Opinião nesta quinta-feira (13), a partir das 23h. A Nação Zumbi — que perdeu Chico Science em 1997, aos 30 anos, em acidente de carro — traz a Porto Alegre o show que comemora 30 anos de Da Lama ao Caos, tocando o disco na íntegra — com alguns outros sucessos do grupo no bis (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto).
Da Lama ao Caos é o disco de estreia de CSNZ, que surgiu entre Olinda e Recife em 1991, após a fusão de dois grupos — Loustal e Lamento Negro. No primeiro álbum, a banda era formada por Chico Science (vocal), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Toca Ogam (percussão), Canhoto (caixa), Gira (tambor alfaia), Gilmar Bola 8 (alfaia) e Jorge Du Peixe (alfaia).
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Desorganizar para reorganizar
CSNZ se projetou atrelado ao manguebeat, junto com Mundo Livre S/A — aliás, o cantor Otto tocou percussão em ambas as bandas. O movimento buscava promover uma renovação cultural, conduzir uma fusão de ritmos folclóricos com a cultura pop, valorizar Pernambuco e denunciar suas mazelas.
No discurso, havia uma proposta musical de desorganizar para, posteriormente, reorganizar. Science costumava mencionar como símbolo uma antena parabólica enfiada na lama, que liquidificava diferentes tendências no mangue. Na imprensa, divulgava-se que o manguebeat reinventava o legado do tropicalismo.
Consequentemente, o som apresentado em Da Lama ao Caos era uma fusão do local com o global. Havia uma mescla de rock, hip-hop, funk, dub, coco, ciranda, psicodelia e por aí vai. Embora CSNZ utilizasse elementos do maracatu — como os tambores alfaias e até, eventualmente, fantasias —, a levada autêntica do ritmo não era aproveitada pelo grupo.
— Éramos ratos de sebo. Estávamos sempre pesquisando, principalmente vinis — recorda Jorge du Peixe, hoje vocalista da Nação Zumbi. — Todo músico tem obrigação de conhecer música e se atualizar. Conheço músicos que não ouvem nada, acho um absurdo isso. Éramos ouvintes e passamos a ser criadores.
Ouça a faixa "A Cidade":
Uma cerveja antes do almoço
Produzido pelo renomado Liminha (ex-baixista de Os Mutantes, responsável por trabalhos de Titãs, Os Paralamas do Sucesso e Daniela Mercury) e gravado no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro (RJ), Da Lama ao Caos reúne 14 faixas que abordam, entre outros temas, questões atemporais.
Por exemplo, um dos maiores hits do álbum, A Cidade, versa sobre a desigualdade social ("A cidade não para, a cidade só cresce/ O de cima sobe e o de baixo desce").
A faixa-título, Da Lama ao Caos, traz uma revolta em meio a fome e miséria ("Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça/ Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça"), enquanto Computadores Fazem Arte já, involuntariamente, antecipava a contemporaneidade regada a inteligência artificial ("Computadores avançam/ Artistas pegam carona").
Também havia as animadas A Praieira — com seu emblemático verso "uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor" — e Samba Makossa, além de Rios, Pontes e Overdrives (trazendo o intrigante questionamento: "Por que no rio tem pato comendo lama?").
— É um disco dançante, mas que faz pensar. A gente sabia que estava fazendo algo de que gostava. Como Chico (Science) sempre dizia: bastava soar bem aos ouvidos. Tínhamos consciência da beleza do álbum para nós. Mas não sabíamos que estávamos lançando um disco com tamanho reconhecimento — avalia Jorge.
As rádios estranharam
Apesar de receber críticas positivas, Da Lama ao Caos não foi um sucesso comercial. As vendas iniciais não passaram de algumas dezenas de milhares de cópias — em uma época em que trabalhos lançados por grandes gravadoras (Sony, no caso da banda) costumavam obter números mais expressivos.
As rádios estranharam: emissoras voltadas ao rock consideravam o álbum regional demais, enquanto as mais populares apontavam que era excessivamente roqueiro ou alternativo.
Ouça "A Praieira":
À frente de seu tempo
Mesmo assim, CSNZ chamou atenção no Exterior, chegando a ser citada no jornal The New York Times. A banda realizou turnês pelos Estados Unidos e Europa, o que incluiu uma apresentação no Central Park, em Nova York.
Com o avançar das décadas, Da Lama ao Caos se perpetuou como um clássico absoluto da música brasileira. Seguiu ressoando nos trabalhos de diferentes grupos, como BaianaSystem, O Rappa e até Sepultura no álbum Roots.
Seja pela estética sonora, seja pelos temas abordados nas letras, é como se o disco estivesse à frente de seu tempo — ou então como se nunca parasse de ressoar. Se o passado foi modernizado, não houve tanta evolução em chagas como miséria e desigualdade.
— É a nossa fundação, nosso primeiro grito — reflete Jorge. — O que não se imaginava era a longevidade que alcançou, o quanto iria fazer barulho. Se observar os temas das letras, muita coisa não mudou.
Presente e futuro da Nação Zumbi
![Lucas Lima / Divulgação Lucas Lima / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/6/0/6/1/4/1/5_37a38d736b0f059/5141606_e14428069306d16.jpg?w=700)
Após a morte de Chico Science, em 1997, Jorge assumiu os vocais da banda. Além dele, a Nação Zumbi que vem à capital gaúcha conta com Neilton Carvalho (guitarra), Dengue (baixo), Toca Ogan (percussão), Marcos Matias e Da Lua (tambores) e Tom Rocha (bateria).
Será o primeiro show da banda em Porto Alegre sem o guitarrista Lúcio Maia, que deixou o grupo em 2020.
— Banda tem esse tipo de coisa: as pessoas vão saindo. É a opção de cada um. A vida é deixar as coisas pelo caminho, não só agregar. Há perdas e ganhos — comenta Jorge.
Sobre o atual guitarrista, que também atua na banda de punk rock Devotos, o vocalista destaca:
— Neilton se encaixou muito bem. Tem seu estilo próprio. É um cara da Renascença, que pinta, toca e fabrica amplificadores. Um cara muito ligado em som.
Jorge adianta que a Nação Zumbi prepara para 2025 o primeiro disco de inéditas em mais de 10 anos — o último foi o homônimo de 2014, enquanto Radiola NZ Vol. 1 (2017) foi um trabalho de covers. Segundo o vocalista, um single deve sair depois do Carnaval.
Nação Zumbi em Porto Alegre
Show Da Lama ao Caos — 30 Anos
- Nesta quinta-feira (13), às 23h, no Bar Opinião (Rua José do Patrocínio, 834)
- Ingressos: a partir de R$ 165 (solidário, 5º lote, mediante doação de 1kg de alimento não perecível)
- Ponto de venda sem taxa: Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611), das 10h às 22h, somente em dinheiro
- Ponto de venda com taxa: pela plataforma Sympla
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e acompanhante