Em 1965, a ópera Aida, de Giuseppe Verdi, foi apresentada em um então recém-reinaugurado Auditório Araújo Vianna, no Parque Farroupilha, a Redenção — o espaço cultural havia ocupado, por quase quatro décadas, a Praça da Matriz. O espetáculo, que reuniu cem músicos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), 130 cantores do Coral da UFRGS e animais emprestados de um circo que passava pela cidade — entre eles, leões —, tornou-se um dos mais marcantes da história de Porto Alegre.
Se esse episódio incrível, de quase 60 anos atrás, corria algum risco de se perder com o tempo, esta ameaça foi reduzida drasticamente. Isso porque a Casa da Ospa é, agora, também o lar da preservação da história da orquestra. A partir desta terça-feira (21), um sonho antigo dos presidentes e dirigentes da instituição será aberto ao público: o Memorial da Ospa.
O espaço conta os 73 anos da Ospa, desde a sua fundação, em 1950, sob a batuta do maestro húngaro Pablo Komlós (1907-1978), até os dias de hoje. Para isso, foram organizados milhares de documentos que recuperam as sete décadas da orquestra, que já realizou mais de 3 mil concertos e é uma das mais longevas do país.
O Memorial foi montado logo na entrada da Casa da Ospa e se soma à Sala Sinfônica e à Sala de Recitais, consolidando cada vez mais o complexo como um templo de apreciação da música de concerto — reverenciando o passado para ajudar a construir o futuro. É esta ligação entre o ontem e o amanhã o principal motivo da empolgação do presidente da Fundação Ospa, o médico e escritor Gilberto Schwartsmann.
— Um memorial é uma coisa muito significativa em uma sociedade porque é um ato de civilização. É fazer um registro permanente de todo o material que conta o passado, a história e as circunstâncias de uma instituição — explica o presidente. — Desta forma, as pessoas podem entender a origem, a missão, quais as dificuldades pelas quais nós já passamos e também quais são os nossos objetivos.
O presidente observa que o Memorial registra a saga da criação da orquestra, que tem diversos desdobramentos, como uma escola de música, uma orquestra jovem, um coro e, principalmente, uma relação rica com a sociedade.
— É um momento maravilhoso, histórico, este da Ospa — celebra Schwartsmann.
Além do reforço para não deixar que a rica história se apague, o presidente da Fundação Ospa espera que o futuro seja tão promissor quanto o passado. Por isso, ele pretende que os músicos tenham uma remuneração que se equipare ao salário de grandes orquestras do país — e este é um objetivo que quer concretizar em sua gestão.
— Se a gente conseguir resolver esta questão, vai mudar o fluxo dos músicos. Ao invés de eles saírem daqui por questões de segurança econômica da família, fazendo concursos em orquestras que pagam melhor, vamos reverter isso. Tenho certeza de que, com a equiparação salarial, vamos virar novamente um grande polo de atração de grandes músicos, tanto brasileiros quanto do Exterior — defende o médico.
Mesa interativa
Como resumir em um mural 73 anos de uma orquestra que já fez milhares de concertos? O curador Paulo Amaral foi convidado para capitanear o processo, com pesquisa de José Francisco Alves e Dorvalina Gomes, servidora que foi a guia em meio à infinidade de documentos.
A pesquisa começou ainda na gestão do ex-presidente da Ospa Luis Roberto Ponte, com a ideia de inaugurar o Memorial no aniversário de 70 anos da orquestra, em 2020. Porém, a pandemia atrasou todo o processo e somente agora o espaço está sendo aberto ao público. Nas paredes, segundo Amaral, está apenas 10% de toda essa história.
O material completo, porém, está em uma mesa interativa disponibilizada no espaço, com uma grande variedade de itens digitalizados. Ali podem ser encontrados desde matérias na imprensa, passando por programas de concertos, cartas, contratos, registros de viagens, figurinos de óperas, partituras, desenhos de cenário para óperas, entre outros — uma parte dos itens pode ser encontrada em gavetas dispostas em armários.
— A Ospa nunca parou. Existem orquestras mais antigas, mas elas tiveram períodos paradas. E isso é importante. Ela é uma das principais do Brasil e deveria se chamar Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Sul. Ela só não se chama assim porque a Ospa surgiu da banda de Porto Alegre. Isso tudo é contado no memorial — explica Amaral.
Um recurso que o curador espera ajudar a influenciar uma nova geração é um diorama que apresenta os instrumentos musicais que compõem uma orquestra — ao tocar na tela, o visitante descobre o som que cada um produz. Amaral acredita que isso possa despertar interesse por quem tem vocação para a música. Há, ainda, uma vitrine especial dedicada ao fundador Pablo Komlós, com uma estátua do lendário maestro.
Para celebrar a abertura do Memorial, até o dia 9 de dezembro há uma exposição especial em frente ao espaço intitulada Tecendo Histórias. A mostra é composta por oito figurinos de óperas realizadas pela Ospa nos últimos anos, incluindo vestidos, saias e smokings garimpados no acervo da fundação. É uma viagem musical pelo tempo.
Memorial da Ospa
- Na Casa da Ospa no Centro Administrativo Fernando Ferrari (Av. Borges de Medeiros, 1.501), em Porto Alegre.
- Visitação de terça a sexta-feira, das 12h às 17h, e nos dias de concerto, das 12h até o fim do espetáculo.
- Haverá visitas guiadas para escolas entre esta terça (21/11) e 8 de dezembro, de terça a sexta-feira, às 10h, às 14h e às 16h, mediante agendamento pelo e-mail atendimento.ospa@gmail.com.
- Entrada gratuita.