Não foi em um baile em Assunción, capital do Paraguai. Mas foi em um baile em Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra, em 20 de setembro de 1968, que nasceu um dos grupos mais longevos e premiados da música regionalista gaúcha, Os Serranos. O conjunto celebra os 55 anos passados desde aquela primeira bailanta no CTG Presilha do Rio Grande nesta quinta-feira (5), às 21h, no Teatro do Bourbon Country, na Capital. E apesar do local pouco comum ao gênero nativista, vai dar baile mais uma vez.
— Ocorre que quando tu largas uma vaneira ou um bugio desses bem embalados, as pessoas não se aguentam. Tiram a mãe, tiram a vó, tiram até os estranhos para dançar (risos) — diverte-se Edson Dutra, um dos fundadores d'Os Serranos.
O nome foi adotado por conta da origem dele e do companheiro Frutuoso Luis, ambos naturais de Bom Jesus. Os dois formavam uma dupla de gaiteiros antes de fundarem Os Serranos, ainda no início da década de 1960. Depois começaram a agregar instrumentistas, atendendo a pedidos de contratantes. Mas quando algum deles perguntava qual era o nome do grupo, a fim de anunciar o baile, a resposta vinha truncada: "Coloca só que é um bom conjunto". Era verdade, mas faltava um nome.
Tão logo a alcunha Os Serranos começou a correr pelo Estado, correram também as canções do grupo. Foram muitas músicas de sucesso ao longo dos últimos 55 anos. Vaneiras, xotes, bugios, chamamés, valsas, rancheiras e milongas sempre enraizadas no nativismo clássico, passando longe dos modismos.
— Nosso foco sempre foi no tradicionalismo, até mesmo por conta da origem que temos — diz Dutra. — Fomos criados na lida campeira, andando a cavalo desde pequeno, tirando leite de vaca, ajudando as tias a fazer queijo... Todas essas coisas do homem do campo serrano. Isso é o que a gente é e o que buscamos refletir na nossa música.
Inovação
Mas se nas canções o grupo se manteve conservador, em todo resto, o que marca a trajetória d'Os Serranos é a inovação e o pioneirismo. É algo que abrange até as coisas mais singelas, como mandar imprimir cartazes coloridos para os shows na época em que qualquer aventura longe do tradicional preto e branco "custava um rim", conforme lembra Dutra.
— Era uma coisa muito inovadora. O pessoal chegava a arrancar das paredes para guardar de recordação.
O líder d'Os Serranos se orgulha pelo grupo também ter sido pioneiro ao levar efeitos de luz para dentro dos CTG's — com direito a globos espelhados, refletores e fumaça — e adquirir um ônibus próprio para transporte, aos moldes do que já faziam as grandes duplas sertanejas da época, mas até então inédito no meio nativista.
— Na época, o meu pai me falou: "Vocês são loucos, não têm nem onde morar em Porto Alegre, tudo morando de aluguel". Mas a gente sabia que seria importante. Demos um "peitaço" e compramos à vista — lembra Dutra, destacando muitos outros "peitaços" dados pelo grupo.
Como exemplo estão as participações na Califórnia da Canção Nativa, premiação máxima da música nativista, mas pouco frequentada por conjuntos de baile. Contrariando o costume, Os Serranos venceram duas vezes o festival: em 1980, com a música Veterano (Antônio Augusto Ferreira/Ewerton Ferreira), e em 1982, com Tertúlia (Jader Morecy Teixeira).
Espetáculo
As canções serão apresentadas no show comemorativo desta quinta-feira. O repertório passa a limpo as músicas mais famosas do grupo, incluindo também clássicos como De Chão Batido, Nossa Vanera, Criado em Galpão, Tordilho Negro, Bugio Novo, Iguaria Campeira, Cambichos e Baile da Mariquinha, entre outros. A lista de sucessos é grande.
Igualmente extensa é a lista de músicos que já passaram pelo grupo em diferentes formações. A atual conta com Edson Dutra (acordeom e voz solo), Paulo Feijó (voz solo e baixo), Estevão Guedes (acordeom e vocal), Ederson Mello (guitarra e vocal), Juliano Santos (bateria), Jeferson Brás "Madruga" (baixo e voz solo) e Renan Rousado (acordeom). Nesta quinta, alguns ex-integrantes também subirão ao palco do Teatro do Bourbon Country para relembrar os velhos tempos: Everton Dutra "Toco", Rodrigo Munari, Renato Cunha, Daniel Hack e Walther Morais.
As participações são motivo de celebração para Edson Dutra:
— As amizades que fizemos são o mais importante de tudo nessa trajetória. É uma relíquia para nós, mais antigos, saber que deixamos um rastro de saudade, de ótimo relacionamento e de lembranças dos momentos muito lindos vividos com os nossos amigos.
Após 55 anos na ativa, o músico-fundador pretende diminuir o ritmo a partir do próximo ano. Estará por perto, mas já não deve participar de todos os shows d'Os Serranos. Vai confiar o legado do grupo à nova geração, na certeza de que estará em boas mãos.
— Tenho total confiança neles — afirma Dutra. — Eles têm um talento muito grande e absorveram aquilo que é a essência d’Os Serranos. Quando alguém entra no conjunto, o primeiro ensinamento não é sobre música ou repertório, mas sobre a maneira como devemos nos portar, sobre ser ídolo também fora dos palcos. Isso que nos permitiu chegar até aqui — reflete.
Os Serranos - 55 anos
- Quinta-feira (5), às 21h, no Teatro do Bourbon Country (Rua Tulio de Rose, 80)
- Ingressos inteiros a partir de R$ 80, disponíveis na plataforma Uhuu