Lá estavam cantores que costumam frequentar karaokês, que fazem aula de canto, que só se apresentam para os amigos, que só soltam a voz para os seguidores no Instagram. Tinha até quem cantou em público pela primeira vez – com três jurados na frente, além de cerca de 50 pessoas ao redor. Aquela brincadeira no chuveiro ou em um churrasco ficou um pouco mais séria. Se cantar é um hobby, o karaokê é um meio natural para dividir com os outros essa paixão. Esses cantores das horas vagas tiveram a oportunidade de demonstrarem seus talentos no Campeonato Mundial de Karaokê (KWC), que teve a primeira etapa da seletiva gaúcha deste ano realizada na noite da última quarta-feira (16), no Boteco Babilônia, localizado na zona norte de Porto Alegre.
Em seu terceiro ano no RS, a competição ainda terá mais duas etapas seletivas em junho e julho. Também haverá uma decisão estadual prevista para 25 de julho, na qual dois vencedores masculinos e dois femininos serão escolhidos para representar o Estado na final nacional, que será realizada no início de setembro, em São Paulo (SP). Já a final mundial será em Málaga, na Espanha, em novembro. Três mulheres e quatro homens avançaram de fase na primeira etapa.
Paulo Ricardo da Silva, proprietário do Babilônia, define assim o perfil dos participantes da competição:
– São pessoas que não são profissionais, mas tem aquela vontade de cantar. Alguns têm aquela vergonha, mas no karaokê conseguem se soltar, botar para fora aquilo que eles gostam, que é cantar e ser feliz.
A competição
Não foi um noite típica do Babilônia: antes do concurso começar, o proprietário do estabelecimento solicitou ao público que não se manifestasse durante as apresentações, pois poderia atrapalhar a avaliação dos jurados. Então, os frequentadores presentes não puderam cantar junto com os competidores durante as performances, como costuma acontecer no bar.
A faixa etária dos 13 participantes (oito homens e cinco mulheres) da primeira seletiva deste ano ia de jovens adultos a concorrentes de meia-idade. As canções escolhidas pelos participantes também eram dignas de um liquidificador musical, indo de David Guetta a Zé Ramalho. Bruno Germiniani abriu a etapa com o sertanejo romântico de O Grande Amor Da Minha Vida (Convite De Casamento), de Gian & Giovani. Antes de iniciar os trabalhos, ele não quis sofrer calado e compartilhou sua história triste.
– Convidei minha galera para torcer por mim, mas como vocês podem ver na minha mesa, eles não vieram – lamentou o participante em tom bem-humorado, apontando para uma mesa com duas cadeiras desocupadas.
Bruno ficou em segundo lugar na categoria masculina e, de quebra, pôde comemorar o feito com um amigo que chegaria após sua apresentação. Ao contrário do segundo colocado, o estudante de veterinária Lucas Mallet veio acompanhado de seu pai e tia-avó. Era a sua primeira vez em um karaokê e sua primeira vez cantando em público, estreando já em uma competição.
– Sempre gostei de cantar. Costumo treinar em casa, umas três vezes por semana, porque eu quero me aperfeiçoar. Mas nunca tive oportunidade de mostrar o meu talento – relatou.
O participante de 18 anos soltou a voz com Tempo Perdido, da banda Legião Urbana.
– Escolhi essa música porque gosto muito dela e acho ela fácil. Não sou um cantor profissional e achei melhor optar por uma música que me garanto. A letra é bem mais fácil de gravar – explicou.
No entanto, a performance não foi bem o que Lucas planejava. Era sua sua primeira vez usando um microfone.
– Na hora estava confiante. Acho que fui bem, o problema foi mais foi o microfone, pois hoje foi a primeira vez na minha vida que usei um para cantar. Algumas partes acho que cantei certo, porém não soaram muito bem porque fiquei meio distante do microfone – analisou.
A fotógrafa Márcia Kawano, 40 anos, também não é frequentadora de karaokê, mas decidiu se arriscar na seletiva motivada por um retorno positivo da KWC.
– Já canto algum tempo em casa e posto no Instagram. O evento do KWC curtiu uma publicação minha, o que achei interessante. Então, resolvi participar e, realmente, é muito emocionante – disse. – Na hora, a gente fica muito nervosa, mas adorei. Valeu a pena – completou.
Para a sua performance, Márcia cantou em espanhol Cómo Mirarte, do colombiano Sebastián Yatra. Há uma identificação da fotógrafa com a canção romântica:
– A escolha para hoje foi algo muito inspirador. É uma história muito bonita, que já presenciei na minha.
Quem também cantou em espanhol foi Bruna Zanotto, com Estoy Aquí, clássico noventista da Shakira. Ela foi a segunda colocada entre as mulheres. Bruna Schmidt iria pelo pop eletrônico de Titanium, faixa do DJ David Guetta com o vocal de Sia, enquanto Adriane Fernandes optaria pelo rock enérgico de Livin' On A Prayer, de Bon Jovi. As duas empatariam em terceiro lugar. Como estava previsto a classificação de três participantes para a final gaúcha, elas tiveram que cantar uma música para o desempate. Adriane tentou Someone Like You, de Adele, mas Bruna ficaria com a classificação após apresentar Breakaway, de Kelly Clarkson.
Entre os participantes masculinos, também haveria empate no terceiro lugar. Giordano Gio mandaria o rap de Lose Yourself, e Thales Eduardo promoveria uma performance dançante de Uptown Funk, de Mark Ronson com Bruno Mars. Empatados, eles voltaram ao palco: Giordano atacaria com a dançante Grace Kelly, de Mika, e Thales optaria por um caminho mais introspectivo com Black, do Pearl Jam. Os jurados continuaram indecisos e classificaram os para a final.
O vencedor na categoria masculina foi Arthur Sosa, 24 anos, que cantou This Is Me, tema do filme musical O Rei do Show (2017). A seletiva foi uma maneira para o estudante de design colocar em prática o que tem aprendido nas aulas de canto.
– Quis vir aqui para me testar. Queria saber como me sairia na frente do público sendo avaliado, além dessa experiência de como eu iria me sentir aqui no palco, que é uma coisa muito diferente de você estar em uma sala de aula com teu professor cantando. Gosto de ir ao karaokê para me divertir, mas sem me preocupar com nenhum aspecto técnico que a gente aprende. Já tinha participado de saraus e alguns shows pequenos por conta das aulas. É diferente você estar em uma avaliação onde parece ser mais profissional, onde tem pessoas que você não faz a mínima noção de quem são, e que é uma coisa muito grande – explanou.
Já a vencedora entre as mulheres foi a médica Luíza Pezzali, 27 anos, que trouxe uma dúzia de amigos para torcer por ela.
– Vim pela primeira vez no Babilônia no ano passado com meus amigos, e a gente se divertiu muito. Na ocasião, cantei uma música, e um convidado da festa veio me avisar desse concurso e me incentivou a participar. É isso que me trouxe aqui hoje – relatou.
Em sua apresentação, Luíza cantou You Know I'm No Good, de Amy Winehouse.
– É uma música que gosto muito de cantar e toco ela no violão. Então, me sinto muito à vontade. Adoro a Amy. Me identifico bastante.
E a escolha se mostrou eficaz para a médica:
– Nunca fiz aula de canto. Só canto em casa ou nos churrascos. Estava bem nervosa e emocionada com meus amigos aqui comigo. Foi maravilhoso, é um momento que nunca vou esquecer.
Como é a avaliação
Na etapa da última quarta, 13 participantes foram avaliados por três jurados: Yasmin Fernandes, professora de canto; João Batista, músico e multi-instrumentista; e Rodrigo Vizzotto, jornalista.
Conforme Vizzotto, a técnical vocal é importante, mas não é tudo.
– Na minha avaliação, é importante a performance vocal esteja afinada em uma técnica que possa transmitir para o público, mas também tem que ter presença de palco, saber conquistar, ter carisma. Isso conta também. Que saiba também escolher uma música que possa envolver o público e os jurados - destaca.
João Batista exemplifica:
– No ano passado, teve candidato que foi muito bem na afinação, mas não é só isso que conta. Faltou carisma, desenvoltura no palco e com todos no ambiente. É preciso ter um controle da técnica e do contexto geral.
Pode participar do KWC qualquer pessoa a partir de 18 anos. A principal exigência da KWC é que os candidatos não sejam patrocinados ou tenham contratos com gravadoras ou produtoras de espetáculos. A escolha da música é livre e pode ser de qualquer idioma.
O dono do cinturão gaúcho
A final gaúcha em julho selecionará dois homens e duas mulheres que se juntarão a Odilon Fontella Jr, 27 anos, que foi campeão estadual no ano passado e segundo colocado na disputa nacional. Morador de Porto Alegre, ele trabalha como manicure e pedicure e canta em karaokê toda semana.
– É um hobby, uma coisa que me faz bem, me deixa tranquilo. Quando estou passando por alguma coisa meio difícil, vou lá cantar e tudo melhora. E a gente tem uma família nos karaokês, todo mundo se conhece, acaba fazendo amizades nos lugares. Tu podes ir sozinho, mas tu nunca ficas sozinho no karaokê – garante.
Karaokê: jovem e pop
O boteco Babilônia está em atividade desde 1983, mas o karaokê se tornou atração do local em 2000. Boa parte dos clientes na noite da última quarta era composta por jovens adultos. O proprietário Paulo Ricardo da Silva analisa o crescimento do público dessa faixa etária no estabelecimento:
– De dois anos para cá, aumentou muito. Digamos, assim, uns 500%. O pessoal do teatro e do das faculdades descobriram aqui, então virou point deles. Hoje, 95% do público é jovem. Acaba predominando um público bastante eclético e bem alternativo.
Três lugares para cantar em POA
BABILÔNIA
- Onde: Avenida Pernambuco, 2.384.
- Horários de funcionamento: de terça a quinta, das 19h às 2h; sexta e sábado, das 19h às 4h.
- Entrada: R$ 15 (de terça a quinta) e R$ 18 (sexta e sábado).
- Contato: (51) 3395-4619
SOFIA
- Onde: Comendador Caminha, 348.
- Horários de funcionamento: de terça a domingo, das 18h às 2h.
- Entrada: R$ 10 (domingo), R$ 15 (terça e quarta) e R$20 (quinta, sexta e sábado). A entrada só é cobrada depois das 21h.
- Contato: (51) 3907-5505
VENEZIANOS
- Onde: Joaquim Nabuco, 397.
- Horário de funcionamento: somente às terças, das 20h30min às 3h30min.
- Entrada: R$ 15.
- Contato: (51) 3221-9275