Plauto Cruz, nome que se confunde com o do instrumento no qual se tornou um mestre, morreu no dia 28, aos 87 anos. O "chorador" ganhou um capítulo dedicado a sua vida e obra no livro Uma História da Música Popular de Porto Alegre, de Arthur de Faria. O volume permanece inédito – mas ZH adianta um trecho, que se inicia com uma brincadeira com o nome do flautista:
Por Arthur de Faria, músico e jornalista
O Flauto da Plauta nasceu Plauto de Almeida Cruz, em São Jerônimo (57 quilômetros a oeste de Porto Alegre), no dia 15 de novembro de 1929. Filho de um flautista de cinema mudo, quase um bebê já assoprava flautinhas feitas de taquara. Aí, aos oito, ganhou uma flauta de verdade e só foi: como Lourdes Rodrigues, aos 14 anos já impressionava o pessoal em Porto Alegre.
Mas não ficou muito tempo: o juizado de menores cortou o seu barato e o remédio foi voltar para junto da família, em São Jerônimo, indo trabalhar numa fábrica de facas. Para alguma coisa serviu: em 1949, quando voltou a tentar a sorte na Capital, garantiu um emprego de chapeador em um estaleiro. Ainda bem, porque levou três anos para conseguir a primeira grande chance: uma canja na Rádio Itaí. Estamos em 1952, Porto Alegre só tem três emissoras e Plauto é imediatamente contratado. O óbvio convite da muito mais poderosa Farroupilha chega em 1956. Vai então integrar o regional da emissora, recém-desfalcado do sopro de Alcides Macedo – que fora contratado por Karl Faust para a orquestra que estava montando na Gaúcha.
Com o regional (flauta, cavaco, dois violões, pandeiro, contrabaixo e acordeom), acompanha deus-e-todo-mundo, e desponta como uma versão local de um de seus maiores ídolos, o expatriado Dante Santoro, flautista do Regional Master Plus do Brasil, o da rádio Nacional. Tanto a menina Elis Regina (n’O Clube do Guri) quanto o veteraníssimo Vicente Celestino têm a alegria de emoldurarem-se pelos virtuosísticos contracantos de sua flauta.
Leia também:
Plauto Cruz morre em decorrência do Alzheimer e do mal de Parkinson
No início deste ano, flautista ganhou canal no YouTube com discos e performances ao vivo
Em 1961 é a vez dele ir pra Gaúcha, no Regional do Paraná: Paraná no violão-tenor, Almirante no violão, Nadir "Cachorrão" no trombone e Azeitona de ritmista. Ao mesmo tempo, ataca – tocando basicamente flautim – na curiosa e divertida Banda dos Carijós, liderada pelo clarinetista Hardy Vedana. O clima é de bandinha de coreto do começo do século 20, interpretando maxixes, dobrados e outras (já então) velharias. Criado pra tocar na Rua da Praia, patrocinada pelos comerciantes do seu entorno, quando lança seu segundo disco, em 1962, o grupo tem uma ideia das mais originais: passa a tocar na boleia de um caminhão que circulava pela Capital – começava ali a sanha passadista de Vedana que, nos anos 1980, montou uma versão jazz do mesmo conceito antropológico-musical: a Hardy Vedana and his Subtropical Jazz Band.
Lá pelo meio dos anos 1960, sua carreira tem o mesmo destino de todos os seus colegas de geração. Com as rádios em decadência, o lance é migrar para as boates, que logo também entram em crise, com as mudanças de costumes ao longo da década de 1970. Plauto chega a tentar a vida em Curitiba, mas volta para Porto Alegre e começa o circuito noturno que vai seguir pelos próximos 40 anos: bares, restaurantes e churrascarias, com sempre destacadas participações em outros contextos, como o festival Califórnia da Canção, em Uruguaiana. Eventualmente, tem aparições nacionais, como nos festivais de choro promovidos pela Rede Bandeirantes em 1977 e 1978 (aqueles mesmos nos quais brilhou Jessé Silva) ou o Festival da Tupi, de 1979, onde nasceu a dupla Kleiton & Kledir cantando uma Maria Fumaça arranjada e iluminada por Plauto Cruz.
Reconhecido por muitos como um dos maiores nomes nacionais de seu instrumento no choro, sofreu a sina de nunca ter saído de Porto Alegre. Aí, em vez de ter, sei lá, 30 discos gravados, foram apenas dois LPs e alguns CDs. O primeiro é de 1977, foi gravado na Isaec, e se chama O Choro É Livre – e é não só a estreia solo de Plauto, como de boa parte de sua turma de chorões já então cinquentões.
Em compensação, perdeu a conta dos prêmios de melhor instrumentista, ou as milhares de horas de palco e estúdio com gente que vai de Orlando Silva a Nelson Coelho de Castro, de Jessé Silva a seu amigo e rival em virtuose chorona Altamiro Carrilho. Plauto foi um mestre que em 2014, ainda tocando, completou 70 anos de carreira, mais de 60 destes de forma profissional.