Correção: quando convidado por Falcão para morar no Hotel Royal, Quintana estava vivendo no Hotel Presidente, e não como publicado entre 16h29min de 13 de outubro e 08h54min de 14 de outubro. O texto já foi corrigido.
Um conto a respeito de Mario Quintana, que narra como o poeta teria sido retirado da sarjeta pelo jogador de futebol Paulo Roberto Falcão na década de 1980, viralizou nas redes sociais na semana passada. O texto do médico e escritor pernambucano Roberto Vieira conta que Quintana estaria “desempregado, sem dinheiro e que teria sido expulso do Hotel Majestic”.
A situação relatada comoveu internautas e chegou a amigos próximos de Quintana. Em publicação em seu perfil oficial, o músico Henrique Mann destaca que a história contada é uma inverdade. O único fato é que o escritor foi convidado por Falcão para viver um período no Hotel Royal, de propriedade do ex-jogador, em dezembro de 1983.
Na ocasião, Quintana já havia deixado o Hotel Majestic, onde viveu por quase 12 anos, e estava morando no Hotel Presidente. Ele havia realizado uma cirurgia há pouco tempo. Em entrevista ao jornal Lance!, em maio, Falcão contou que ficou emocionado com o encontro e comovido com o procedimento médico pelo qual o poeta tinha passado.
— Diante de uma pessoa admirável como ele, você escuta mais do que fala, né?! E ele sempre humilde, fazendo piadas sobre a cirurgia. Mario é um poeta muito intuitivo, escreve com naturalidade sobre a vida — disse Falcão.
Conforme Mann, naquele período, Quintana era “apoiado e cuidado por pessoas maravilhosas, como a sua sobrinha-neta Elena, teve apoio da Sandra Ritzel, de Dulce Helfer, das empresas Samrig e Ipiranga, mas, fundamentalmente, de um homem de extremo valor chamado Enio Lindenbaum”.
Também amigo de Mario Quintana, o professor e ensaísta Armindo Trevisan aponta que o escritor era solitário, mas que “jamais era alguém de se humilhar”. A única preocupação, naquela fase, era que ele não ficasse sem companhia.
— Ele saiu de lá muito tranquilo e era muito independente, um senhor de si. É uma total falta de respeito e de conhecimento de quem ele era esse conto — afirma.
Trevisan ainda recorda que Quintana viveu somente por um ano no hotel de Falcão, pois o quarto era pequeno para seus pertences e a rua em que se localizava (Marechal Floriano Peixoto) era íngreme, o que complicava suas andanças.
As informações foram confirmadas por Milton Quintana, 64 anos, sobrinho-neto do poeta. Ele comenta que o escritor tinha muitos amigos e que chegou a frequentar casa de familiares em São Gabriel e Alegrete, mas era “um cara habituado a viver em hotéis”.
— Ele se sentia bem em hotéis. Mas, pelo texto, parece que ele era miserável, o que não é verdade, porque tinha duas aposentadorias e recebia dinheiro pelos livros. A Elena (Quintana) o ajudou a cuidar sempre das finanças, ele nunca ficou por aí exposto. Para mim, foi uma tentativa de “lacração” — explica Milton.
O autor
Escritor e médico, Roberto Vieira publicou o conto em seu blog, em 2012. Em entrevista a GZH, ele relata que teve a ideia durante uma visita a Porto Alegre, em 2008, quando precisou vir à cidade procurar arquivos históricos a respeito do Gre-Nal, já que é um pesquisador de futebol. Durante as buscas, encontrou publicações da década de 1980 da revista Placar e do jornal Correio do Povo sobre Falcão ter acolhido Quintana em seu hotel.
Vieira relata que gosta de pegar histórias e criar narrativas para elas. Foi o que fez com a situação do escritor, ao perceber que “muitas pessoas cuidaram dele no fim da vida”.
— Quando estive no hotel, foi impactante de imaginar o Falcão ajudando ele. Isso foi contundente para mim, o resto é só estória.
Com a repercussão negativa, ele pede desculpas pelo ocorrido e diz que se considera fã de Falcão e de Quintana.
— Em nenhum momento eu tive intenção de causar mal à figura dele. Não é desculpa pelo texto, mas se soubesse que isso causaria mal às pessoas, que ficaram tocadas, eu nunca teria feito, lamento profundamente. Minha intenção foi exclusivamente ressaltar o belo gesto.
Em nota, a Casa de Cultura Mario Quintana detalha a história real vivida pelo poeta, recontada por Paula Quintana Biazu, sobrinha-bisneta dele, e duas amigas dele: Dulce Helfer e Sandra Ritzel. O texto, que pode ser conferido neste link, reforça que Quintana ficou hospedado por cerca de um ano no hotel de Falcão "pois, além de queixar-se do tamanho diminuto do quarto, o poeta se recuperara de uma fratura de fêmur e a localização do Hotel Royal, em uma ladeira, dificultava sua locomoção. Mario Quintana então mudou-se para o Porto Alegre Residence Hotel, na Rua Desembargador André da Rocha, onde residiu ao longo de sua última década de vida".
O comunicado também afirma que "a imprudência literária do pretenso escritor desmerece e turva a memória de Mario Quintana". "Em momento algum o autor deixa claro – e aí reside o maior problema – se tratar de um texto de ficção, referindo um quadro irreal e desonroso de miséria e abandono do poeta", destaca.