
Depois que o distanciamento social colocou em xeque milhares de eventos culturais em todo o mundo, alguns grupos começaram a se articular para não deixar parar o ciclo de novos autores e produção artística. É o caso das histórias em quadrinhos, tema da programação na Quarentena Con, neste sábado (30) e domingo, a partir das 11h, no YouTube, com acesso gratuito.
Idealizada pela editora carioca Guará, a ação vai promover mais de 20 painéis, workshops e anúncios de lançamentos – como qualquer outro evento da área. A transmissão busca valorizar e dar voz aos autores independentes, dos quatro cantos do país.
— Nossa proposta é mais fazer barulho para os autores e para as HQs do que arrecadar doações. Quem é de fora do eixo Sul e Sudeste, considerado o principal do país, vai ter a chance de estar no ambiente nacional, porque queremos valorizar a maior quantidade possível de produção independente — reforça Rapha Pinheiro, editor-chefe da Guará e um dos organizadores do evento.
A Quarentena Con surgiu após o cancelamento do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQBH), que ocorreria presencialmente neste fim de semana. Como a ação é uma grande vitrine e oportunidade de troca entre autores e o público consumidor, a Quarentena Con se preparou para manter a interação e – pela primeira vez – a divulgação de autores em formato virtual.
Por isso, a Rodada dos Independentes, com edição às 16h, no sábado e no domingo, candidata-se a ser o ponto alto da transmissão ao vivo, ao trazer autores sem ligação com editoras para divulgar seus trabalhos. A amazonense Sâmela Hidalgo, assistente de edição de quadrinhos na editora Devir, vai mediar a mesa de sábado e tem lutado pelos quadrinistas do Norte.
— Lá em Manaus é muito difícil de chegar material e também de sair o que é produzido lá. Precisamos mostrar as dificuldades do pessoal de fora do eixo, que precisa trabalhar duas vezes mais para ter reconhecimento — defende Sâmela, que também lidera o projeto @Norteemquadrinhos no Instagram, promovendo bate-papos e divulgação de artistas da região.
Além dos independentes, a Quarentena Con também vai explorar as HQs no cinema, com a participação de Marcello Quintanilha, quadrinista brasileiro que mora na Espanha e é autor de Tungstênio, que virou filme em 2018. Outro painel que deve chamar a atenção do público é Quadrinhos Antifascistas, que fala sobre uma tendência vista nos últimos anos.
No ano passado, a própria Guará anunciou a saída do editor-chefe Luciano Cunha, criador de O Doutrinador, personagem de HQ que levantou polêmica ao dizer que o STF está vendido e queria acabar com a “roubalheira dos políticos desgraçados”, surrando-os.
— Há um movimento de HQs ultraconservadoras e colocaremos autores que vão contra isso para falar sobre o assunto. Vai ser bem... incisivo (risos) — conta Pinheiro, que entrou no lugar de Cunha, em dezembro.
Experientes

O Rio Grande do Sul, mais uma vez, estará bem representado no evento. O porto-alegrense Daniel HDR é um dos pioneiros brasucas a desenhar para as grandes editoras americanas Marvel e DC, a partir dos anos 1990. Coordenador da Dínamo Estúdio há mais de 20 anos, instituto que ajuda na formação artística e especialização de autores da região, Daniel vê o evento como uma chance de valorizar o empreendedorismo dos autores.
— A pandemia bagunçou muitos planos de lançamento que estavam sendo desenvolvidos bem antes disso tudo. Iniciativas como a Quarentena Con são bem-vindas e importantes para manter a produção ao alcance de todos — reforça o quadrinista, que fará uma live de desenho no sábado.
Um de seus pupilos, o também porto-alegrense Gustavo Borges, já tem nove livros publicados, como A Entediante Vida de Morte Crens (que segue viralizando no Instagram) e Edgar. No ano passado, o gaúcho foi indicado ao Eisner Awards, o principal prêmio do mercado dos Estados Unidos, na categoria melhor publicação infantil até oito anos pela obra Pétalas.
— A Quarentena Con vai ter muito conteúdo que pode servir para as pessoas aprenderem, muito melhor do que ficar vendo um feed, em que parece que os dias não passam. O mercado editorial, não só o de HQs, mas todo ele, está com problemas e esse formato virtual vai forçar mudanças, talvez, para o bem do cenário — destaca Borges, graphic story teller que participa da mesa "Como se autopublicar" no domingo.
