
O desembargador Claudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, suspendeu na tarde deste sábado (7) uma liminar que impedia autoridades de "buscar e apreender obras em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo".
A liminar do desembargador foi concedida após agentes da Secretaria da Ordem Pública da prefeitura do Rio circularem na tarde de sexta-feira (6) pela Bienal do Livro, no Riocentro, para lacrar e recolher exemplares que exibissem conteúdo "impróprio". Os agentes nada encontraram.
Segundo a secretaria, seriam recolhidos livros com cenas de "homotransexualismo" que não estivessem lacrados e sendo oferecidos em embalagem opaca e advertência sobre o conteúdo.
A polêmica começou na noite de quinta-feira (5), o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou em vídeo que havia determinado que a Bienal recolhesse uma obra de história em quadrinhos (HQ) com um beijo gay. A HQ, chamada Vingadores — A Cruzada das Crianças, esgotou rapidamente nas bancas da Bienal e em livrarias. A organização da Bienal não cumpriu a determinação por não entender que se trata de uma obra pornográfica. Lançada em 2010, a HQ mostra os personagens Wiccano e Hulkling como namorados, daí o beijo entre os dois.
Ainda na sexta-feira (6), o youtuber Felipe Neto se engajou na polêmica ao comprar para distribuição livre na Bienal milhares de livros de temática LGBT+. Eles foram distribuídos no sábado (7), devidamente lacrados com os dizeres "este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas."
Segundo a decisão do desembargador deste sábado, a Bienal do Livro oferece "atividades culturais voltadas para toda a família, razão pela qual impõe-se o necessário cuidado com as competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de quaisquer das formas de violência contra a criança e o adolescente, nos termos do Artigo 70-A do referido Estatuto da Criança e do Adolescente".
O artigo do ECA citado pelo desembargador se refere à obrigação de União, Estados e municípios de atuar de forma articulada contra a violência à criança, mas nenhum dos seus seis incisos se refere ao contato com materiais referentes a sexualidade. A decisão cita ainda os Artigos 78 e 79, que dizem o seguinte:
"Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único: as editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca."
"Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família."
No texto da decisão, Tavares nega arbitrariedade ou censura. Sobre o primeiro termo, diz:
"Assevera a ausência de arbitrariedade, mas sim o exercício vinculado do poder-dever posto sob a competência de todos os Entes, em especial o Municipal, de fiscalização e impedimento ao comércio de material impróprio ou inadequado, potencialmente indutor, possivelmente obsceno e nocivo à criança e ao adolescente, sem a necessária advertência ao possível leitor ou à família diretamente responsável, e sem um capeamento opaco, exigido expressamente na legislação."
Sobre censura, declara o seguinte:
"Ressalta não se tratar de ato de censura, mas reputa ser inadequado que uma obra de super-heróis, atrativa ao público infanto-juvenil a que se destina, apresente e ilustre o tema da homossexualidade a adolescentes e crianças sem que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem informações a respeito do teor das publicações disponíveis no livre comércio, antes de decidirem se aquele texto se adequa ou não a sua visão de como educar seus filhos."