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Em resumo, foi o seguinte: o conjunto das mesas da Festa Literária Internacional de Paraty pareceu mais coeso, rolou menos público na tenda principal, mas ampliaram-se as alternativas interessantes na programação paralela. Houve, como sempre, polêmica. E, talvez como não se via desde 2013, política.
A 14ª edição da festa, que terminou domingo no município fluminense, teve cinco dias marcados por manifestações contra o governo interino de Michel Temer – e isso desde a abertura, com Armando Freitas Filho. A poeta Laura Liuzzi ironizou versos do presidente (do livro Anônima intimidade), e o grito Fora Temer emergiu da plateia em várias mesas – e mesmo do palco, quando Gregorio Duvivier abriu uma mesa sobre humor.
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E o público? De acordo com os organizadores, foi bom. Mas, talvez reflexo da situação de crise, houve uma pequena redução da plateia nas palestras principais: 12.251 ingressos foram vendidos para a programação principal, mil a menos do que os 13.253 do ano passado, uma diferença que o curador Paulo Werneck qualificou como "pouco significativa" na coletiva de encerramento.
A programação pareceu equilibrar a ideia de grandes nomes com um elenco de debatedores para temas específicos. Do primeiro time, os três destaques foram, sem dúvida, o autor de Trainspotting, Irvine Welsh; o norueguês Karl Ove Knausgaard, grande hype do romance atual; e a Nobel Svetlana Alexiévich, tornada conhecida no Brasil após a concessão do prêmio, no ano passado. No segundo time, pôde-se ver Suzana Herculano-Houzel debatendo o cérebro com o médico britânico Henry Marsh. No geral, tudo funcionou. Mas não foi possível evitar alguns desastres, como a mesa sobre sexo com Juliana Frank e Gabriela Weiner, ou uma das últimas palestras, com Abud Said, uma desconexão entre o convidado e a expectativa do público: poeta sírio, Said criticou os direitos humanos e se recusou a comentar o conflito com o Estado Islâmico. Terminou sua intervenção vaiado.
Foi possível também perceber como a Flip parecia ressaltar não propriamente sua importância como evento literário, mas sua importância como um encontro realizado na cidade. Foi o que fez o diretor da Casa Azul, associação responsável pela festa, ao listar, na apresentação da conferência de abertura, o legado do evento em mais de uma década para a cidade, como a própria revitalização do setor em que a tenda dos autores foi instalada, em uma região antes ignorada pelo poder publico.
Ao mesmo tempo, a festa precisou ao longo dos anos acomodar as demandas e responder às críticas de sua progressiva (e real) elitização. A presença feminina nesta edição foi intensa, de Ana Cristina Cesar como a autora homenageada a Svetlana Aliexiévich fazendo em uma mesa de grande impacto. Dezoito palestrantes entre 40. Mas não havia diversidade étnica, como apontaram escritores, entidades ligadas ao movimento negro e professores. A curadoria da Flip reconheceu que a demanda era significativa. Fica para edições futuras saber o que vai mudar.
Momentos da festa
1 –Um dos nomes de maior aclamação crítica presentes na Flip, o norueguês Karl Ove Knausgaard dedicou a mesa da qual participou ao dilema básico de um escritor, ainda mais evidente no seu caso, autor de seis títulos inpirados na própria vida: escrever ou não um livro mesmo que isso possa afetar quem está a sua volta. "Escrevo a minha história, mas nossa história é a das relações com os outros. E aí?"
2 – Toda Flip tem um personagem que se impõe como uma surpresa recebida pelo público com afeto caloroso. Nesta edição, o posto coube ao humorista português Ricardo Araújo Pereira. Apresentado por Gregorio Duvivier e acompanhado de Tati Bernardi, o português falou sério, se emocionou e fez a plateia dobrar-se de rir com tiradas de muito espírito e verve.
3 – A jornalista peruana Gabriela Weiner e a escritora paulista Juliana Frank fizeram a pior mesa da Flip – sobre sexo. Erros de tradução, impropriedades do mediador Daniel Benevides e uma atitude rebelde performática adolescente de Juliana comprometeram um encontro no qual Gabriela tinha algo a dizer sobre suas reportagens usando o próprio corpo.
4 – Svetlana Aliexiévich fez a grande mesa da Flip. Em uma das poucas sessões realmente lotadas da programação, a ganhadora do Nobel em 2015 falou sobre o processo de criação de seus livros, "coleções da alma humana", como definiu seu método de reunir depoimentos em primeira pessoa de gente comum atingida pela história do século 20. Foi aplaudida de pé.
5 – Ao longo dos debates, palestrantes usaram o microfone para se manifestar contra o governo interino – Armando Freitas Filho na seção de abertura, Benjamin Moser ao falar do Brasil... A poeta Laura Liuzzi desancou versos do livro de Michel Temer Anônima intimidade. E o grito “Fora Temer” emergiu da plateia em várias mesas.
6 – Era difícil andar por Paraty e não topar com Benjamin Moser. O biógrafo de Clarice Lispector participou de duas mesas, recebeu um Prêmio Itamaraty por seu trabalho e falou sobre Todos os contos, de Clarice, editado por ele. Facilmente reconhecível, também foi mais parado que candidato a prefeito.