
Vencedor do Oscar de melhor curta-metragem em live action no último domingo (7), o curta holandês Ik Ben Geen Robot (I’m Not a Robot) apresenta algumas semelhanças com um curta gaúcho lançado em 2021 – inclusive, o nome.
Com direção de Gabriela Lamas, que também assina o roteiro com Felipe Yurgel e Maurílio Almeida, Eu Não Sou Um Robô foi rodado em Porto Alegre, em 2020.
O curta foi filmado dentro de um apartamento durante a pandemia, com uma equipe de apenas três pessoas: a diretora, que também interpreta a protagonista, Tânia; Maurílio Almeida, que, entre outras funções, dá vida a uma mosca gigante; e Lívia Pasqual, responsável pela direção de fotografia.
Os dois curtas partem da mesma premissa: a protagonista tenta superar um teste de autenticação de captcha, mas falha incessantemente. Então, ambas as personagens – tanto a brasileira quanto a holandesa – passam a se questionar sobre o que é real.
Crise existencial
Dirigido por Victoria Warmerdam, o curta holandês se passa em um escritório e foca em Lara (Ellen Parren). Após não conseguir superar um teste de captcha, ela começa a duvidar da própria identidade.
Já o curta gaúcho traz a protagonista em diálogos com uma mosca sobre temas como tecnologia, natureza e reflexões existenciais. As duas produções contêm quase toda a estrutura narrativa do roteiro a partir de diálogos sobre o que as personagens estão vivendo, como observa Gabriela:
— Ambos os filmes terminam nessa coisa de se provar humano através da organicidade da carne, se automutilando para se provar humano — conta a cineasta, que também já dirigiu os curtas Sesmaria (2015) e Demônios de Virgínia (2017).
O projeto de Eu Não Sou Um Robô surgiu durante a pandemia, em conversas entre os roteiristas. A diretora conta que Maurílio já tinha a ideia há algum tempo sobre um personagem que tentava resolver o captcha, mas não conseguia e acabava se questionando, de fato, se era ou não um robô.
O cinema, como qualquer arte, se alimenta de obras anteriores, nosso léxico é formado pelas referências que colecionamos, por isso esse caso é tão enigmático.
LÍVIA PASQUAL
Diretora de fotografia
Foi pensado em um roteiro que pudesse ser filmado dentro de um apartamento, e a própria diretora atuou para não envolver mais pessoas. Com o projeto completo, Eu Não Sou Um Robô passou a circular por festivais de cinema.
Descoberta
No 49º Festival de Cinema de Gramado, a produção foi premiada nas categorias de melhor roteiro, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor filme pelo júri da crítica na Mostra Gaúcha.
Entre outros eventos, o curta foi exibido no Feminist Cult Film Night – Fem Fest 2022, em Rotterdam, na Holanda — ou seja, no país de Ik Ben Geen Robot (I’m Not a Robot).
Os realizadores gaúchos descobriram a produção holandesa pouco antes da divulgação oficial dos concorrentes ao Oscar. A responsável pela distribuição do curta, Natasha Ferla, recebeu um e-mail falando sobre os possíveis curtas que seriam indicados ao prêmio da Academia – e lá estava I’m Not a Robot.
Gabriela relata que várias pessoas começaram a enviar mensagens afirmando que lembraram de seu filme, que tinha o mesmo nome e a mesma premissa.
A diretora conta que entrou em contato com a OAK Motion Pictures, produtora holandesa responsável por Ik Ben Geen Robot (I’m Not a Robot), antes da seleção oficial do Oscar. Por e-mail, explicou que sua obra possuía o mesmo nome e a mesma premissa.
A gente acredita muito na originalidade do nosso cinema.
GABRIELA LAMAS
Diretora do curta "Eu Não Sou Um Robô"
Porém, a OAK respondeu que não havia entendido muito bem a questão, pois o roteiro foi escrito em 2019, após a produtora receber um incentivo de uma instituição holandesa chamada Vevam. Ik Ben Geen Robot (I’m Not a Robot) seria rodado durante a pandemia, mas precisou ser adiado e filmado posteriormente.
— Eles não nos retornaram mais. Nós procuramos, mas ainda não tivemos nenhuma prova de que esse roteiro veio antes — ressalta Gabriela.
Entre o inconsciente e as influências
Para a cineasta, pode ser que tenha ocorrido um caso de inconsciente coletivo, com dois filmes partindo da mesma premissa. Porém, como os holandeses ainda não apresentaram provas exatas de quando escreveram o roteiro nem de que não assistiram ao curta gaúcho, a pulga segue atrás da orelha.
Já Lívia destaca que as semelhanças narrativas e estéticas entre as produções podem vir de influências diretas, homenagens ou simplesmente da imersão dos cineastas em um mesmo contexto cultural e artístico. Segundo ela, há muitas possibilidades entre plágio e reflexos naturais:
— O cinema, como qualquer arte, se alimenta de obras anteriores, nosso léxico é formado pelas referências que colecionamos, por isso esse caso é tão enigmático. É difícil determinar, ao mesmo tempo que, sabendo que imagem é linguagem, não dá pra negar que as proximidades são muitas — destaca a diretora de fotografia do curta.
Gabriela ressalta que já há conversas com um advogado para avaliar o que pode ser feito. A ideia é solicitar provas de que os roteiros foram escritos simultaneamente, sem conhecimento do curta gaúcho, e lutar pelos direitos das ideias brasileiras:
— A gente acredita muito na originalidade do nosso cinema. Se realmente houve uma forma de terem visto nosso filme para se basear em alguma coisa, queremos os créditos.
A reportagem entrou em contato com a OAK Motion Pictures e solicitou um contraponto, mas, até o momento, não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.