Se as estatuetas virão para o Brasil ou não, saberemos apenas em 2 de março. Mas o impacto já foi sentido. As três indicações de Ainda Estou Aqui ao Oscar 2025 deverão trazer mudanças para o cinema nacional. Portas se abrindo, investimentos e, principalmente, uma quebra de barreira entre o público e os filmes produzidos no país. Pelo menos, é o que projetam especialistas da área.
Luciana Tomasi, cineasta e jornalista, por exemplo, acredita a valorização do cinema nacional é algo a ser sentido de imediato:
— O Brasil não está concorrendo no futebol, é no cinema. É isso é muito importante. Estamos no mesmo nível de filmes americanos, europeus, disputando e mostrando que o que se faz aqui de cinema pode competir em qualquer lugar do mundo, porque o Oscar é a maior vitrine mundial. E isso mostra que o cinema feito no Brasil pode ser de extrema qualidade.
De acordo com a cineasta, essas indicações — melhor filme, melhor atriz e melhor filme internacional — mostrarão a importância de um bom roteiro e de um tema realmente pertinente para uma população na hora de desenvolver e apostar em um longa-metragem. Além disso, ela pontua que a atuação de Fernanda Torres servirá como exemplo, por não se basear em beleza física, mas, sim, em ser uma autêntica mulher brasileira.
— Estávamos precisando disso, porque vivemos essa história de influencer, de maquiagem e de muito ego nas redes sociais. Então, este reconhecimento para a Fernanda vem justamente contra isto, mostrando que o talento, o profissionalismo e a educação estão muito à frente do que se vê hoje em dia nas redes — opina Luciana.
Dentro deste tópico, Robledo Milani, fundador do portal Papo de Cinema e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), enxerga que o sucesso internacional de Ainda Estou Aqui facilitará para que artistas brasileiros brilhem no estrangeiro — tanto os veteranos quanto os jovens.
Já temos o Selton Mello contratado para fazer o remake de Anaconda. A Fernanda já deve estar com agente internacional. E tem atores como Caio Horowicz e Valentina Herszage, que estão começando e vão ter esse filme no currículo. São representantes de uma nova geração que está disposta a conversar com o mundo sem deixar de ser quem é. É diferente de quando o Brasil foi indicado a melhor filme com O Beijo da Mulher-Aranha, que é todo filmado no Brasil, mas tinha vergonha de dizer que era daqui
ROBLEDO MILANI
membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine)
O crítico de cinema enfatiza que, com Ainda Estou Aqui, o mundo pode conhecer um episódio totalmente brasileiro, que foi a ditadura militar, sem esconder as suas raízes. E o Oscar chancela a qualidade desta produção. De acordo com o membro da Abraccine, o longa-metragem encontra um mundo com crescente força da extrema-direita, mas mostrando que o outro lado da história também está se manifestando:
— Ainda Estou Aqui é um libelo pela democracia, pela liberdade, pelo respeito às particularidades de cada pessoa. É muito bonito ver o cinema brasileiro se abrindo para isso e o mundo, em consequência, também. E, aqui, a gente podia estar fazendo um cinema espetacular há muito tempo, mas de que adianta estar fazendo um cinema muito bom se ninguém vê? Nós tivemos níveis de 5%, 3% de ocupação de cinema nacional nas salas nos últimos anos. Em 2024, voltamos a 10%, mas tem potencial de ir para 15%, 20%, 30%, como é na França.
O mercado e o público
Para Robledo Milani, o Oscar traz visibilidade e muitas pessoas foram ao cinema nos últimos meses para ver Ainda Estou Aqui, apenas pela hipótese de o longa chegar ao prêmio — o que ainda foi impulsionado pelo Globo de Ouro. Nesta esteira, outras produções do país ganharam força e a tendência é que isto aumente:
— Essa chancela tem que ser aproveitada pelos realizadores nacionais, que devem continuar fazendo filmes importantes, com assuntos relevantes e competência técnica, estrutural, com os grandes talentos que a gente tem, tanto na frente como atrás das câmeras.
Crítica de cinema e votante do Globo de Ouro, Barbara Demerov acredita que o cinema nacional, neste momento de destaque mundial, deverá presenciar um crescimento em bilheteria, com mais pessoas indo às salas de exibição para assistir não apenas o Ainda Estou Aqui, mas também O Auto da Compadecida 2, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, entre outros longas nacionais.
— O Oscar, apesar de ser conhecido como uma premiação focada na bolha dos Estados Unidos, está mudando, se internacionalizando. E todas essas três indicações que a gente recebeu vão reverberar muito no cinema brasileiro e na indústria, com as pessoas respeitando mais e humanizando as nossas histórias — destaca Barbara.
Para Luciana Tomasi, essas mudanças na indústria podem ajudar a mudar a visão dos envolvidos no audiovisual nacional que desdenham grandes premiações internacionais. Como produtora de cinema, ela detalha que é preciso da visibilidade ampla que festivais internacionais oferecem. E uma distinção como o Oscar coloca os holofotes não apenas na obra específica que está concorrendo, mas em toda produção do país.
— Na questão de investimentos, espero que mude, porque é muito baixo o que as empresas nacionais investem no cinema nacional, mesmo tendo leis de incentivo. É muito complicado conseguir patrocínio. O que tu tens são editais que, às vezes, não prezam pelo roteiro, o que é uma pena. E investimento do exterior só se for por meio de coprodução, o que é raríssimo. Mas, realmente, espero que o empresário nacional, depois deste sucesso de Ainda Estou Aqui, veja o cinema como um bom investimento — destaca Luciana, que também é diretora da Prana Filmes.
E, independentemente de conquista de estatuetas, o momento é de celebrar, uma vez que Ainda Estou Aqui já fez história, conforme diz Barbara Demerov:
— Temos que ficar felizes. É uma grande conquista. O Oscar é relevante, sim. Eu acho muito bonito ter um filme brasileiro indicado como melhor filme. É um orgulho gigante e muito relevante, porque vai movimentar a nossa cultura.