Após 17 anos, o Brasil voltou a ter um longa de ficção na shortlist do Oscar. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela premiação, divulgou nesta terça-feira (17) o primeiro corte entre as produções que se inscreveram e estão pré-selecionados para uma possível indicação na 97ª edição do evento, com Ainda Estou Aqui presente na categoria de melhor filme internacional.
A última vez que o país teve um representante na shortlist foi na cerimônia de 2020, com Democracia em Vertigem, que foi indicado na categoria de melhor documentário. Porém, o último longa de ficção brasileiro a ser pré-selecionado, em melhor filme internacional, foi O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, na corrida do Oscar 2008. Só que o longa dirigido por Cao Hamburger ficou de fora da seleção final.
Faz 26 anos desde a última vez que um longa brasileiro de ficção foi indicado na categoria de melhor filme internacional. Central do Brasil, de Walter Salles (mesmo diretor de Ainda Estou Aqui), foi selecionado para a cerimônia de 1999, mas perdeu a estatueta para o representante italiano — A Vida é Bela, de Roberto Benigni. Na mesma edição, Fernanda Montenegro representou o país pelo mesmo longa na categoria de melhor atriz, que foi vencida por Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado).
A protagonista de Ainda Estou Aqui e filha de Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, está cotada para aparecer na lista final de melhor atriz. Porém, só se saberá se o feito histórico da mãe será repetido em 17 de janeiro, quando a Academia anunciar a seleção. Não há shortlist para essa categoria.
Fator Fernanda
De qualquer maneira, Fernanda Torres é uma das forças que impulsionaram Ainda Estou Aqui a entrar na shortlist e a quebrar o jejum brasileiro de 17 anos. A atriz está entregue à campanha do filme desde o começo, se desdobrando em entrevistas para veículos internacionais, participando de festivais e exibições do longa. Em conversa com o jornal O Globo, Fernanda brincou: “Meu trabalho virou maquiagem, cabelo e look”.
A campanha de um filme para o Oscar consiste em fazer sessões para pessoas estratégicas, como a própria atriz explicou na entrevista, além da produção circular em festivais. A ideia também é despertar nas pessoas o desejo de ver o longa, alimentando também o boca a boca.
Para a campanha, a presença física faz diferença. É nesse ponto que Fernanda tem se desdobrado, como relatou em outra entrevista ao O Globo: “Achei que ficaria dezembro em casa, mas já estou de volta à Europa, com sessões em Londres, Paris, Madri e Porto. Em janeiro, volto a Los Angeles”. “O importante é fazer o filme ser visto”, completou.
O carisma de Fernanda é um caso à parte na campanha: a atriz costuma esbanjar bom humor e respostas afiadas nas entrevistas. Ao mesmo tempo, sua espontaneidade é aclamada pelo público brasileiro.
Por conta de memes e cortes de seus trabalhos nas séries Os Normais e Tapas & Beijos, além de entrevistas antigas sendo recicladas em virais, Fernanda se aproximou das novas gerações nas redes sociais. Isso se refletiu em uma publicação no Instagram, em 18 de novembro.
O perfil oficial do Oscar, The Academy, postou um registro de Fernanda Torres na entrega do Governors Award, que chegou a 3 milhões de curtidas, com centenas de milhares de comentários empolgados de brasileiros. A partir daí, a imprensa internacional percebeu-se que qualquer postagem nas redes sociais com a foto da atriz garantiria engajamento. Indiretamente, isso também chamava atenção para o filme.
Campanha forte
Mas não é só Fernanda: Ainda Estou Aqui é a campanha mais forte de um filme brasileiro em décadas. O longa recebeu convites para mais de 50 festivais internacionais, segundo relatou Salles. Então, a equipe do filme se desdobrou em eventos ao redor do mundo.
A campanha de Ainda Estou Aqui também se direcionou para sessões especiais, contando com jurados de premiações (especialmente da Academia), que, muitas vezes, contam com artistas mediando um bate-papo com a equipe — já ocorreram com o ator Sean Penn, com o diretor mexicano Alfonso Cuarón e com o diretor francês Olivier Assayas.
Vale ressaltar também que Salles tem trânsito no mercado internacional — tendo dirigido produções como Dark Water (2005) e On the Road (2012). Fora isso, a distribuidora internacional do filme, a Sony Classics, também tem promovido Ainda Estou Aqui para as categorias de melhor filme, direção, roteiro e atriz.
O crítico de cinema e youtuber Waldemar Dalenogare Neto, que integra o Critics Choice Association e é autor do livro Histórias do Oscar: Os Anos Iniciais (2019), já ressaltou que Ainda Estou Aqui seria a “melhor chance do Brasil nas últimas décadas". Em entrevista à Zero Hora, ele destacou que as produções brasileiras sempre têm dificuldade com distribuição internacional, especialmente nos Estados Unidos. Por sua vez, como acrescentou Dalenogare, o longa de Salles tem uma grande distribuidora consolidada.
Respaldo em premiações e aclamação da crítica
Além da shortlist do Oscar, Ainda Estou Aqui foi lembrado em duas categorias do Globo de Ouro: melhor filme estrangeiro e melhor atriz em filme dramático. O longa também tem recebido respaldo em premiações.
Tendo sua première no tradicional Festival de Veneza, o que já é um indicativo de força do projeto, Ainda Estou Aqui obteve no evento o prêmio de melhor roteiro. Entre outras premiações, venceu o prêmio da audiência do Festival Internacional de Cinema de Vancouver, no Festival De Pessac, na França, e no Festival de Cinema de Mill Valley, nos Estados Unidos.
A trajetória bem sucedida de Ainda Estou Aqui também se reflete na crítica internacional, que aclamou o filme e a atuação de Fernanda Torres. Para a Variety, a atriz realizou um trabalho “soberbo”, enquanto a IndieWire classificou a interpretação como “espetacular”, que “possui força e estoicismo fenomenais que tornam cada momento de dor ainda mais comovente".
O New York Times pontuou que Fernanda "chama a atenção de Hollywood como uma potencial candidata à disputa da cobiçada estatueta dourada, graças a um papel que provocou uma febre cinematográfica — e um acerto de contas — no maior país da América Latina".
Ainda, o Deadline chamou o longa de "carta de amor de Walter Salles ao Brasil", enquanto o jornal britânico The Guardian descreveu como um "drama sombrio e sincero sobre os desaparecidos da nação".
Datas
A shortlist, costumeiramente, é divulgada em dezembro e traz categorias técnicas, musicais, curtas, documentais e a de filme internacional. A lista definitiva, com todos os indicados ao 97º Oscar, será anunciada no dia 17 de janeiro. Já a cerimônia está prevista para ser realizada em 2 de março.