Desde sua estreia mundial, quando integrou a seleção principal do Festival de Veneza, O Oficial e o Espião reacendeu a trilha de controvérsia que se materializa toda vez que o nome de Roman Polanski entra em cena. Acusado e condenado pelo estupro de uma adolescente nos Estados Unidos, na década de 1970, o diretor franco-polonês conseguiu se livrar da cadeia ao sair do país para viver na Europa, mas passou a encarar o permanente risco de prisão e deportação para cumprir sua pena.
O Oficial e o Espião saiu do festival italiano com duas láureas importantes: o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio da Crítica. Aos 86 anos, Polanski viu seu novo filme ganhar, no final de fevereiro, os prêmios de direção e melhor roteiro adaptado, pelo trabalho de Robert Harris (autor do romance O Escritor-Fantasma, levado às telas por Polanski em 2010) na adaptação do Caso Dreyfus. Escândalo político causado por um erro judicial na França, no final do século 19, o caso demorou mais de 10 anos para ser esclarecido.
A mais importante premiação do cinema francês, no entanto, ocorreu sob chuvas e trovoadas em razão das 12 indicações recebidas pelo filme. Grupos feministas protestaram, muitas profissionais do cinema engrossaram o coro. Antes do evento, a Academia francesa, responsável pela premiação, havia anunciado a demissão coletiva de todos os seus integrantes, em razão das críticas recebidas pela inclusão de Polanski na festa – ele não compareceu à entrega. Para fechar mais esse turbulento episódio na carreira do diretor, assim que seu nome foi anunciado como vencedor, a atriz Adèle Haenel, uma das vozes mais ativas do movimento #metoo na França, retirou-se da cerimônia.
Num primeiro momento, Polanski e Harris pensaram em construir a narrativa sob o ponto de vista de Dreyfus, mas perceberam que não seria um roteiro interessante. No material promocional do filme, o diretor diz: “Toda a ação, com diversos personagens e reviravoltas, ocorre em Paris, enquanto nosso personagem principal estaria preso. Então, Robert encontrou a solução para nosso dilema: era melhor contar a história do ponto de vista do Coronel Picquart, um dos principais personagens”.
Paralelos
Na história, o capitão Alfred Dreyfus (Louis Garrel) é um dos poucos judeus no exército francês. Acusado de espionagem para os alemães, é julgado a portas fechadas, condenado injustamente por traição e sentenciado à prisão perpétua na ilha do Diabo.
Mas o coronel Georges Picquart (vivido pelo ganhador do Oscar Jean Dujardin) passa a investigar a acusação por conta própria. “Ele decide seguir sua consciência e sua necessidade de saber a verdade mais do que obedecer aos militares”, explica o diretor. Picquart era o chefe do serviço de inteligência da França e tornou-se uma figura-chave no desfecho do caso.
Desde sua apresentação em Veneza, O Oficial e o Espião tem sido analisado sob um ponto de vista que busca espelhar a situação do cineasta com o tema do filme – embora Polanski tenha sido condenado por um crime que comprovadamente cometeu.
Pelo menos três outras mulheres apresentaram acusações de abuso sexual contra o diretor nos últimos anos. Em 2010, a atriz britânica Charlotte Lewis o acusou de “abusar sexualmente” dela aos 16 anos em 1983. Uma segunda mulher o acusou, em 2017, de uma agressão sexual em 1973, quando ela tinha 16 anos, e uma terceira apresentou queixa em 2017 por estupro, por fatos que datam de 1972, quando ela tinha 15 anos.