O filme brasileiro Marighella, cinebiografia sobre o guerrilheiro de esquerda dirigida por Wagner Moura, estreou na última quinta-feira (14), no Festival de Berlim, sob aplausos em sua sessão dedicada à imprensa. A obra faz parte da programação principal da mostra alemã, mas não compete ao Urso de Ouro.
Inspirada na biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães, a produção de R$ 10 milhões acompanha os últimos cinco anos de vida do protagonista, desde o golpe militar até seu assassinato, em 1969, numa operação da polícia que é um dos marcos do fim da guerrilha urbana durante a ditadura.
O músico e ator Seu Jorge interpreta o protagonista nessa trama de 155 minutos de duração que dá relevo para a sua relação com o filho, Carlinhos, enquanto o personagem é perseguido por um policial sanguinolento interpretado por Bruno Gagliasso.
O longa ainda não tem data de estreia no Brasil.
Marighella é mais amado e odiado hoje
Carlos Marighella é mais amado e odiado hoje do que nos anos 1960, quando era considerado o inimigo número um da ditadura militar, diz o jornalista Mário Magalhães, autor da biografia que inspira o filme sobre o guerrilheiro.
O longa-metragem, que marca a estreia de Wagner Moura na direção, se inspira na terceira parte de Marighella - O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo (Companhia das Letras), que se passa entre os anos de 1964 e 1969, quando o revolucionário foi morto pelo regime. O prólogo também está no filme.
A obra, uma peça de jornalismo, saiu em 2012, quando o Brasil ainda não sonhava com a polarização política de agora. O filme, uma peça de ficção, chega em um momento deflagrado, diante da ascensão dos conservadores e de iniciativas de revisionismo do passado.
– O filme chega em um momento no qual o governo central foi ocupado por saudosistas do regime que matou Marighella, então é óbvio que o ele vai esquentar ainda mais esse clima de discussão história. Mas isso nunca foi tão importante – afirma Magalhães. – Quando o livro saiu, o Marighella era um personagem do passado. Hoje, as ideias que o Marighella defendeu soam mais fortes diante do cenário nacional.
Desde que o Seu Jorge foi anunciado no papel do guerrilheiro, o jornalista afirma que tem visto setores da direita questionarem a escolha - dizendo que Marighella, na verdade, era branco. Para Magalhães, dizer isso é o mesmo que "uma ministra de Estado recusar a teoria da evolução".
O biógrafo esclarece que o revolucionário tinha mãe negra, descendente de escravizados, e pai italiano. Tanto que as vizinhas diziam que ela tinha "barriga suja" – porque nenhum dos filhos saiu branco como o pai. Um dos codinomes que Marighella mais usou era Preto. Em outra ocasião, se definiu como "um mulato baiano".
–É um direito dos povos conhecer a sua história. E há um movimento em curso, no Brasil, para impedir que as pessoas formem seu próprio juízo a respeito de fatos históricos que têm base em informações comprováveis – ressalta Magalhães.
Para o biógrafo, há um ramo da historiografia que tentou apagar Marighella da memória nacional, foi derrotada, e agora tenta fraudar fatos históricos "para impedir que os cidadãos formem sua própria opinião".
Magalhães chegou a acompanhar uma das filmagens, no Rio de Janeiro, mas diz que sua participação no filme é apenas ter escrito o livro. Junto a isso, ele vê iniciativas de censura avançando no país - elas seriam patrocinadas pela Justiça e pela iniciativa privada.
– Meu maior temor é que as pessoas formem um juízo sobre o filme sem assistir. Assim como é impossível ter uma opinião sólida sobre o personagem histórico sem conhecer sua trajetória – diz o biógrafo.
O jornalista trabalha agora em dois novos livros: uma biografia de Carlos Lacerda, cujo primeiro volume sai pela Companhia das Letras ano que vem, e outro, ainda sem data ou editora, sobre o Brasil em 2018.