Com estreia nesta quinta (17/1) e sessão de lançamento quarta-feira (16/1), com a presença do diretor André Novais Oliveira na Cinemateca Capitólio, Temporada chega com status de um dos principais filmes brasileiros dos últimos tempos – algo que aconteceu no ano passado com Arábia e Baronesa e, um pouco antes, com Ela Volta na Quinta (2015), que marcara a estreia do mesmo Oliveira no longa-metragem. Todas essas produções foram realizadas em Minas Gerais, centro irradiador de propostas estéticas que têm garantido autenticidade ao cinema nacional a partir de reflexões sobre a rotina de personagens que os teóricos chamam de ordinários, ou comuns.
Temporada tem Contagem, na Grande Belo Horizonte, como cenário. Nessa cidade de ruas estreitas e casas sobrepostas em espaços pequenos, que escancaram seu crescimento desordenado, acaba de se instalar Juliana (Grace Passô), uma mulher de enorme expressividade – embora às vezes contida, como quem prefere internalizar emoções sem compartilhá-las. Seu físico é fundamental na composição da personagem não só porque entrega essa característica desde seus movimentos e gestos, mas porque sublinha sua forma específica: trata-se de uma mulher, negra, vivendo na periferia.
Vinda de Itaúna, a 60 quilômetros dali, para trabalhar na estatal responsável pela prevenção e o combate à dengue, Juliana aos poucos se entrosa com os colegas. Russão (Russo APR), em particular, traz comicidade à trama, ressaltando a informalidade das relações estabelecidas – é do banal do cotidiano que a grande personagem surge, parece afirmar Novais Oliveira. A figura masculina de Russão também é um contraponto à ausência do marido da protagonista, que ficou em Itaúna e que, nos primeiros atos de Temporada, não atende o telefone nem responde os recados dela.
A relação dos dois teve um trauma, que conhecemos em um momento de impacto da narrativa, no qual Juliana narra um acontecimento passado a uma amiga. Grace Passô, atriz de larga experiência em teatro vista antes em uma sequência marcante de O Céu Sobre os Ombros (2011) que prenunciava seu talento e também a potência desse cinema mineiro recente, encarna a protagonista falando a essa amiga de modo pausado, trabalhando a respiração para intensificar o depoimento conforme o fato é narrado. O naturalismo quase lhe escapa, tamanha expressividade de seu rosto apresentado em um longo plano médio – garrafa de cachaça, térmica, lata de cerveja e pacote de salgadinhos ao lado. Juliana vive um drama. Um drama comum, ordinário – mas um drama.
Alguns encontros rotineiros serão fundamentais para entendermos como ela internalizou o trauma e vive esse drama. Se o pai e um homem com o qual ela flerta marcam presenças discretas, chamam a atenção a forma como um colega se revela em suas dores cotidianas ("Não é nada de mais, só o trabalho que é uma bosta, minha mãe está de cama, minhas irmãs me incomodando") e, principalmente, como uma moradora que ela visita para vistoriar o pátio a recebe.
Trata-se de uma senhora (interpretada por Maria José Novais Oliveira, mãe do diretor, presente em outros de seus filmes e que morreu logo após as filmagens de Temporada). Ela oferece café – ao que, polida, Juliana responde que "não precisa". "Precisa, sim", diz a mulher, que declara sentir saudades da vigilância sanitária, que não a "visita" há tempos. "E vai comer um bolo. Fubá com queijo", prossegue, para finalizar, convincente: "Saco vazio não para em pé". Fotos na parede, observadas pela protagonista, desvelam uma grande família desde décadas atrás. Essa senhora é uma espécie de mãezona – mulher de uma geração anterior, que a acolhe com carinho, e, ao mesmo tempo, escancara a distância geracional cujo contraste será fundamental para entender sua própria personalidade.
A força de Juliana é de outra ordem. Na verdade, é uma força só sua, que acontecimentos específicos – todos com lugar no dia a dia que não tem "nada de mais" – vão moldar. É uma força que lembra a de grandes personagens femininas recentes, de O Céu de Suely (2006) à própria Baronesa (2017), com a diferença de que a personagem de Temporada parece mais perto da volta por cima – apesar de todas as dificuldades que se apresentam a ela. O céu não é tão longe, indica Novais Oliveira. Não é apenas uma miragem, como era o de Suely, nem alcançado a fórceps, como foi o caso das baronesas da Vila Mariquinhas, em Belo Horizonte. É difícil chegar nele, como difícil foi subir a escada para o terraço da casa de um morador de Contagem – imagem corriqueira mas que sintetiza o filme como um todo. Mas é possível. Porque, justamente, o céu está no que é corriqueiro.