Mesmo o espectador mais desatento vai reconhecer o balé que Dominika Egorova, a personagem de Jennifer Lawrence em Operação Red Sparrow, que estreia neste final de semana, dança no começo do filme. É o mesmo Lago dos Cisnes celebrado em Cisne Negro – e que parece ter substituído O Quebra-Nozes como o-único-balé-de-que-se-tem-notícia-em-filmes-de-Hollywood. A determinado momento da apresentação, o parceiro de cena da bailarina pula errado e aterrissa em cima na perna da parceira em plena apresentação. É o fim de uma carreira de brilho no Bolshoi e o início da trajetória de Dominika como uma "Red Sparrow", uma espiã russa treinada para usar a sedução e a manipulação psicológica como seus principais recursos.
Dominika vive numa Rússia pós-comunista que se deteriora a olhos vistos – e é retratada de modo convenientemente atemporal, com celulares de última geração convivendo com discursos perfeitamente soviéticos e informações sigilosas trocadas em disquetes de 3,5 polegadas. Sem o balé, Dominika logo será despejada e não poderá cuidar da mãe doente.
E é aí que aparece seu recrutador, seu sinistro tio Vanya – sim, é um tio e se chama Vanya, esse é o nível da citação. Vanya (o belga Matthias Schoenaerts, numa caracterização surpreendentemente semelhante a Vladimir Putin) a convence a fazer um favor que a acabará enviando a uma escola de "Red Sparrows", em que será treinada para usar seu corpo e consideráveis atrativos no jogo da espionagem.
Uma Red Sparrow (que a distribuidora opta por não traduzir por "pardal vermelho", talvez para não perder a solenidade exigida em um thriller) não é uma espiã comum, cheia de traquitanas à James Bond. Se para o espião inglês a sedução era o recreio, para as Sparrows é o trabalho – uma abordagem que o filme escolhe ressaltar ao adaptar a intricada e hiperdetalhista trama do romance original de Jason Matthews.
A primeira missão de Dominika será identificar um agente duplo que vem passando informações para um homem da CIA, Nate Nash (Joel Edgerton), que, por sua vez, está tentando proteger seu informante de cair nas garras das forças de segurança russas. Como o jogo de espiões entre Dominika e Nash se dá entre agentes treinados que sabem que não deveriam confiar um no outro, um dos méritos do filme é disfarçar as intenções reais de Dominika até mesmo do telespectador, já que suas atitudes e justificativas mudam ao sabor da conveniência e do perigo a que ela está exposta.
A direção é de Francis Lawrence (sem parentesco com Jennifer, mas que já a dirigiu em três episódios da série Jogos Vorazes). Além de uma semelhança superficial com a trajetória da Viúva Negra, personagem da Marvel vivida por Scarlett Johansson, o longa rendeu comparações com Atomica, outro thriller com uma espiã feminina na Europa. Operação Red Sparrow, contudo, é menos pirotécnico e acrobático que a produção com Charlize Theron. A violência é menos coreografada e passa uma impressão maior de crueza, de brigas desesperadas de vida ou morte – o que elas de fato são no contexto do filme.
Mas os méritos não conseguem disfarçar alguns grandes problemas – bem maiores do que o sotaque russo de Jennifer Lawrence, que some e reaparece sem justificativa alguma. O primeiro é que, mesmo para uma história de espionagem, a trama geral faz pouco sentido. Por fim, a motivação final da personagem, quando revelada após uma série de reviravoltas (com direito à preguiçosa montagem para lembrar ao espectador cenas cruciais em que o próprio filme deve pensar que ele não prestou atenção), parece gratuita e incongruente.