Por Paulo Gomes
Professor e historiador da arte no Instituto de Artes da UFRGS
História, memória, tradição, pintura, universidade. Essas são algumas palavras-chaves possíveis para ajudar a ver a exposição Laboratório Central: Pintura e Memórias da Cidade, promovida pelo Studio P, em cartaz no Paço Municipal de Porto Alegre.
O Studio P foi criado em 2016, como Projeto de Extensão junto a UFRGS, sob a coordenação da artista e professora Marilice Corona. Com o passar dos anos, transforma-se em um coletivo de artistas que pesquisa e desenvolve projetos em pintura buscando sempre se nutrir e criar diálogos ou debates com áreas afins, como a história da arte, a história, a arquitetura, o urbanismo etc., o que pode ser fortemente verificado na presente mostra. Seus componentes são, em sua maioria, egressos, pós-graduandos e graduandos da UFRGS. Participam dessa exposição: Ana Krebs, Andressa P. Lawisch, Antonio Vasques, Artur Veloso, Carmen Sansone, Eduardo Monteiro, Eduardo Thomazoni, Grégory M. Nunes, Gustavo Assarian, Isabelle Baiocco, Karenn Liègeh, Kelin Agnes, Letícia Parraga, Luiza Schlegel, Marcelo Bordignon, Mariana Riera, Marilice Corona, Natasha Ulbrich Kulczynski, Pamela Zorn Viana e Regina Krumholz.
Trata-se de um grupo que pensa a pintura como um embate contínuo e profícuo entre a sua tradição e sua contemporaneidade. A presente exposição articula o passado distante do Centro Histórico de Porto Alegre, principalmente o entorno do Mercado Público e do Paço Municipal, com suas representações pictóricas e os registros de eventos marcantes da história. Desse modo os jovens artistas que integram o Studio P dialogam com as obras do acervo da Pinacoteca Municipal e com imagens de eventos que tiveram lugar no entorno do Paço.
Não se trata somente de resgatar esses momentos, como o do comício das Diretas (1984) registrados pelo fotógrafo Luiz Eduardo Achutti, convidado especial da mostra, mas repensar o evento e sua importância através da pintura coletiva, executada por jovens que, na sua maioria, não participaram do importante evento. Esse diálogo entre dois tempos se repete, também, nos vídeos produzidos por Daniela Fialho, em simulações digitais de dois momentos do entorno, do início do século 20 até os anos 1990. Mas o que mais impressiona (a palavra não é gratuita, como se verá) é a retomada de momentos plasmados no passado distante, por artistas como Benito Castañeda, Angelo Guido, Maristany de Trias, entre outros, que são recuperados pelo grupo em trabalhos coletivos de grande porte ou em pinturas individuais, onde os olhares se agudizam, estabelecendo relações potentes e emocionantes.
Destacamos do conjunto as conversas de Marcelo Bordignon com o esplêndido Abrigo da Praça XV (1945), de Benito Castañeda, de Andressa Lawisch com o “esqueletão”, ruína contemporânea da Rua Marechal Floriano, e, ainda, com Abrindo a Avenida Borges de Medeiros (sem data), de Luis Maristany de Trias. Baseados em fotografias contemporâneas, Kelin Agnes, em Mercado Público de Porto Alegre, nos apresenta os trabalhadores, enquanto Mariana Riera nos mostra um detalhe, quase hiper-realista, da Panorâmica do mesmo Mercado Público.
Outro momento de destaque é a conversa entretempos com Fernando Corona e seu projeto para a Fonte Talavera. Nesse momento, além de farta documentação autógrafa do artista, podemos fruir dos seus projetos (1935), associados ao belíssimo desenho de Juan Ruiz de Luna para a mesma fonte que está replicado em As Fontes, de Marilice Corona (neta de Fernando Corona), pintura en abyme de grande intensidade afetiva.
Iniciamos com as palavras-chaves e finalizamos trazendo-as grafadas com maiúsculas: História, Memória, Tradição, Pintura, Universidade. Sim, pois são termos que estão na própria natureza do ensino universitário de Artes, termos essenciais para sua fundamentação social. Se mais não podemos tratar neste breve espaço, ressalto que a experiência de ruptura do tempo linear da História se desdobra ainda no saguão da Galeria Aldo Locatelli e da Sala da Fonte, nas pinturas O Reconhecimento de Humaitá (1869), de Edoardo de Martino, e Gaúchos Chimarreando (1911), de Pedro Weingärtner, quando o passado e o presente estão unidos no mesmo tempo e lugar. Finalizando, temos muito claro, para nós professores e estudantes universitários, que “a tradição não é o culto às cinzas, mas a preservação do fogo”, conforme nos ensinou Gustav Mahler.
Laboratório Central: Pintura e Memórias da Cidade
Exposição com obras de artistas ligados ao coletivo Studio P., grupo de artistas que realiza pesquisa em pintura. Em cartaz na Pinacoteca Aldo Locatelli, localizada no Paço Municipal de Porto Alegre (Praça Montevidéu, 10, Centro Histórico). A visitação prossegue até o dia 5 de janeiro, de segundas a sextas-feiras, das 9h as 17h.
Seminário
Nesta quarta e quinta-feira (dias 13 e 14), será realizado no Paço Municipal um seminário intitulado “A Fonte das Imagens: Pinturas e Memórias da Cidade”, com as presenças de diversos pesquisadores e artistas que participam da exposição.