Por Gabriel Pérez-Barreiro
Historiador da arte, curador de “Siron Franco – Armadilha para Capturar Sonhos”
Siron Franco é o ser mais livre que conheço. Com uma personalidade artística curiosa, engajada, mas também desconfiada e alerta, Siron confunde as expectativas constantemente. Repetidas vezes ele provou ser destemido ao seguir sua própria bússola, independentemente do consenso ao seu redor. Em parte, devido a esse senso interno de direção, o meio artístico brasileiro o abraçou e o rejeitou repetidas vezes também. Siron Franco consegue ser livre até de si mesmo. Sempre que sua obra cai no gosto do mercado e da mídia, ele muda de técnica, de linguagem e de tema. Ainda mais curioso é o fato de ele ter feito essas mudanças quando estava obtendo sucesso comercial e de crítica.
Com pouco ensino formal, sua trajetória artística sempre foi intuitiva e autodirigida. Desde cedo, Siron percebeu que tinha uma habilidade natural para criar representações poderosas e logo começou a explorar esse talento com imagens extraídas de seu inconsciente e da realidade, às vezes aterrorizante, que o cercava. Esse impulso de amortecer a razão em favor do instinto é seu próprio tipo de inteligência, que exige muito trabalho, disciplina e, sobretudo, coragem.
Siron se envolve com algumas das questões mais profundas sobre arte, vida e sociedade. Fala da complexidade do humano, mas não é um artista panfletário, é um cidadão preocupado. Desde a década de 1970, tem abordado de forma sistemática quase todas as questões que são dominantes na arte brasileira e internacional dos dias de hoje, como catástrofe ambiental, discriminação, violência, injustiça, corrupção, raça, gênero e classe e assim por diante. Mas, ao mesmo tempo, seu trabalho teimosamente não é sobre essas questões. Suas obras não são ilustrações desses problemas e não propõem soluções simples, pelo contrário: elas nos mostram a complexidade emocional e a densidade da existência humana, criando empatia e compreensão por meio de imagens visuais que podem ressoar de forma espiritual e emocional com o espectador. Uma obra aberta, que convida a múltiplas leituras.
Existem artistas que exploram um mesmo tema e utilizam as mesmas técnicas durante toda a vida. Esse não é o caso de Siron Franco. Se observarmos suas mais de cinco décadas de intensa produção, há em suas pinturas, por exemplo, umas que parecem ser abstratas por completo no início, apenas para revelarem figuras depois de uma longa contemplação, e outras em que as figuras parecem ser subterfúgios para a criação de padrões abstratos na tela. Em outras obras, ainda, pode haver uma imagem realista escondida sob camadas de uma tinta espessa, expressiva e aparentemente não figurativa.
Suas pinturas são, com frequência, compostas a partir de muitas camadas construídas ao longo do tempo, de modo que o que vemos é apenas a versão mais recente de uma pintura que passou por diversas transformações antes de ser vista. Em vez de produzir múltiplas imagens em diferentes telas, ele pinta diferentes imagens em camadas sucessivas sobre a mesma tela. É um processo em sua totalidade orgânico, no qual as imagens são criadas e destruídas de forma constante. Parece que, para ele, qualquer pintura é finalizada apenas de forma temporária, sempre sujeita a revisões e mudanças, em uma sequência contínua de exploração visual.
Na exposição Siron Franco – Armadilha para Capturar Sonhos, em cartaz no Farol Santander, ele apresenta 63 pinturas em grandes formatos que percorrem seus mais de 50 anos de carreira, muitas delas jamais vistas pelo público. É uma oportunidade única de conhecer este conjunto potente e significativo, pois estas pinturas pertencem a uma coleção particular.
O título da mostra foi extraído de uma das obras em exposição. Nele, temos dois aspectos que definem grande parte da prática de Siron: a ideia de que a arte pode funcionar como um dispositivo para seduzir e capturar a atenção, e a noção de que nossos sonhos, esperanças e medos mais íntimos podem estar contidos em uma imagem pintada.
Siron Franco – Armadilha para Capturar Sonhos
Mostra com pinturas, vídeos, documentário e livro do artista goiano. Em cartaz no Farol Santander (Rua Sete de Setembro, 1.028, Centro Histórico, em Porto Alegre). Visitação até o dia 22, de terça a sábado, das 10h às 19h, e domingos e feriados, das 11h às 18h.