Com exposições previstas para o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), o Centro Histórico-Cultural Santa Casa, o Memorial do Rio Grande do Sul, a Praça da Alfândega e a Fundação Iberê Camargo, a 12ª edição da Bienal do Mercosul estava com seu início agendado para 16 de abril. Porém, a pandemia de coronavírus fez com que as atividades fossem suspensas a pouco menos de um mês antes da abertura. Mas isso só valeu para a parte física da mostra: virtualmente, a Bienal 12 está em cartaz.
Já em 16 de abril, entrou no ar uma versão digital do evento, em bienalmercosul.art.br. Na plataforma, estão disponíveis imagens de obras, vídeos com depoimentos de artistas sobre a arte e o momento atual e informações sobre as proposições elaboradas.
Diretor-presidente da Fundação Bienal do Mercosul e presidente da diretoria executiva da mostra, Gilberto Schwartsmann destaca que 90% dos artistas já mandaram seus materiais para o projeto. Segundo ele, o espaço online foi a maneira de evitar o cancelamento do evento, uma garantia, disponibilizando as obras que pudessem estar disponíveis no suporte digital:
— Fizemos um esforço para fazer temporariamente uma bienal virtual, com as obras que dessem para publicar. Há apresentações que são construídas no local, que são de fato presenciais. Tudo que era vídeo ou fotografia, materiais assim, está preservado.
Curadora-chefe desta edição, a argentina Andrea Giunta aponta que os depoimentos enviados pelos artistas são impactantes. Os relatos são feitos no tempo presente, direto da quarentena.
— São vídeos simples e breves, mas que têm um poder comunicativo imediato, uma proximidade que, nas condições atuais, é muito difícil conseguir. Há algo de outro tempo, anterior a pandemia, que se conserva em muitas dessas gravações — diz Andrea, que também é pesquisadora, escritora e professora.
Em sua equipe, Andrea conta com a polonesa Dorota Maria Biczel e a brasileira Fabiana Lopes, curadoras assistentes, além de Igor Simões, responsável pelo programa educativo. A curadora-chefe se mostra-se empolgada com o projeto desenvolvido por Igor para o ambiente virtual:
— Sem dúvida, a plataforma online não é o mesmo que o contato direto com as obras. Mas Igor traça um caminho de projeção que é sempre indispensável em uma equipe de trabalho.
Bienal física
De acordo com Schwartsmann, a versão física da Bienal 12 segue nos planos para um momento pós-pandemia. O diretor-presidente conta que boa parte do acervo para a mostra deste ano já havia sido recebida. No entanto, ressalta que poderá ser uma exposição parcial, sem a totalidade das obras previstas inicialmente, pois é possível que alguns artistas não possam estar presentes na Capital por conta de outros compromissos.
— Se dentro do prazo hábil tivermos como realizar a Bienal, muitos desses materiais já estão conosco. Então, não é tão complicado. Toda a parte de importação, aqueles trâmites, muita coisa já chegou. Temos a verba e a infraestrutura para a parte física — garante Schwartsmann.
De acordo com o decreto publicado pelo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, na última terça-feira (19), museus e galerias de arte estão liberados para reabrirem. Mas isso não tem impacto na Bienal 12, conforme Schwartsmann:
— Não há segurança médica para fazermos aglomerações. Os artistas vêm de diferentes lugares, muitos deles com políticas mais rígidas quanto a deslocamentos. Seria imprudente mudar agora, e o conselho da Bienal não aprovaria.
No entanto, o diretor-presidente vê a manutenção do evento, mesmo que nas plataformas digitais, como um ato de resistência cultural. Até por conta de sua temática:
— Como era uma Bienal sobre o feminino, em um país com tanta violência contra a mulher, acho que seria uma derrota (não fazer o evento). Então a gente tomou a questão de fazer de qualquer maneira, como um ato cívico.
Andrea complementa:
— Criar uma comunidade, mesmo quando se está distante, no momento em que a sobrevivência está ligada ao isolamento, é resistência. Realizar uma Bienal focada na construção cultural de afetos e sexualidades, em um contexto que busca classificar cidadãos em identidades binárias e que procura eliminar as áreas de questionamento sobre classificações sociais, é resistência. Realizar um evento cultural em um país cujas autoridades estão parcialmente orientadas para reduzir o local da cultura é resistência. Transformar o cânone branco e patriarcal que domina a arte do Brasil e do mundo é resistência. Fazer a Bienal, ter a conversa que estamos tendo, e se o leitor chegou a essa parte da entrevista, é resistência.
Arte, feminismo e emancipação
Com 69 artistas – 90% mulheres – do mundo todo, a Bienal 12 tem como tema Feminino(s). Visualidades, Ações e Afetos. Trata-se de uma mostra centrada nas propostas de artistas mulheres e de todas as sensibilidades não binárias, fluidas, não normativas. "Sobretudo aquelas que se expressam em sua oposição às mais diversas formas da violência”, como descreve o evento na plataforma online.
— Há mais artistas mulheres, mas há muitas estéticas que indagam sobre o conceito cultural do feminino, perspectiva que está presente nas obras de Helô Sanvoy, Gonzalo Elvira, Chiachio & Giannone, Sebastián Calfuqueo e Élle de Bernardini — diz Andrea.
A seleção de artistas da Bienal 12 conta com nomes da América Latina (Brasil, Argentina, Chile, Peru, Equador, Bolívia, Colômbia, Guatemala, República Dominicana), América do Norte (Estados Unidos e Canadá), Europa (Polônia e Espanha), Ásia (Japão e China) e África (Nigéria e Zâmbia). Há também artistas locais, como Vera Chaves Barcellos.
Para exemplificar o conceito proposto, Andrea cita a obra Parede da Memória, da artista paulista Rosana Paulino, que imprime retratos familiares sobre pequenos patuás, configurando um memorial da sua família.
— Os trabalhos de Rosana apresentam a proposta de pensar muitas coisas novamente, retornar aos arquivos, retornar às imagens, como se fosse um repositório cujo momento de conhecimento ela procura questionar. O relacionamento com a natureza que ela cria é totalmente atual, no momento em que vimos que onde o humano se retirava a natureza brotava — destaca Andrea.
A curadora-chefe da Bienal 12 destaca que a seleção conta com artistas históricas como Judy Chicago, Mónica Mayer, Grete Stern, Geta Bratescu, Esther Ferrer, Carole Condé & Karl Beveridge, Lorraine O’Grady e Claudia Paim, assim como representantes de uma geração mais jovem, entre elas Aline Motta, Joiri Minaya, Élle de Bernardini, Sebastián Calfuqueo, Lungiswa Gqunta, Juliana Vidal, Mirella Maria, Juliana Góngora e Jota Mombaça, entre outras. Andrea assinala que interessava também à Bienal 12 contar com artistas de uma geração intermediária, citando os nomes de Janaina Barros, Jessica Kairé, Cristina Schiavi, Lida Lisboa, Lucía Laguna, Musa Michelle Matiuzzi, Maruch Santiz Gómez, Graciela Astorga, Natalia Iguiñiz e Nury González.
Live
Outra iniciativa da Bienal 12 no espaço virtual é a realização de lives com curadores e artistas. Nesta quinta-feira (28), às 19h, Rosana Paulino participa de bate-papo com mediação de Igor Simões, curador do Programa Educativo. A live será transmitida pelo Facebook, Instagram e YouTube da Bienal do Mercosul, com espaço para perguntas do público, que podem ser enviadas com antecedência pelos canais digitais do evento ou durante a transmissão.